MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Investigadora

21/04/2022 08:01

Estacionei, muni-me da protecção e lá fui enfrentar a fera. À entrada, um rapaz pediu-me umas moedas. Dei-lhe 20 cêntimos. Não tinha mais troco. Pedi-lhe desculpa pela miséria, mas ele agradeceu e disse que já era bom.

Entrei no estabelecimento e decidi despachar os pedidos dos meus tios em primeiro lugar. Uma vez terminada a tarefa, levei as compras para o carro e regressei para tratar das minhas compras. Acho que nem trouxe tudo o que tinha na lista porque, nesta altura, já exausta, o que queria era ir para casa. Meti também os meus sacos no carro e dirige-me para a cancela, desejando com todas as forças ver-me em casa o mais rápido possível.

Meto o pin na máquina e nada. Nem um movimento. Volto a tirar e a meter. O mesmo resultado. Entretanto, já havia 2 carros em fila atrás de mim. Toco à campainha, tentando pedir ajuda e eis que me explicam que excedi o tempo limite - 1 hora e que por isso tenho de pagar. Saio do carro e peço desculpa aos condutores, pedindo licença para fazer inversão de marcha. A máscara escondeu-lhes a má cara, certamente.

Volto a estacionar e com o chip na mão, dirijo-me para a máquina de pagamento. Qual não é o meu espanto quando o visor indica que tenho de pagar 20 cêntimos. Desesperada, olho para a máquina e gesticulando veemente exclamo, quase a gritar:

-20 cêntimos? 20 cêntimos? Não tenho!!! Dei os que tinha ao rapaz!

De repente, alguém se aproxima e diz:

-Tome, tem aqui os 20 cêntimos.

Incrédula, recuso! Que não! Que vou levantar dinheiro! Que não me vai devolver o que lhe dei, ora essa. Só me faltava isso. Mas, a insistência foi tanta e o meu cansaço era ainda maior que acabei por ceder. Agradeci, envergonhada e afastando-me, pedi-lhe para tira a máscara para ver a sua cara.

De regresso, em plena via rápida, as lágrimas caiam-me, sem pedir licença. Não sei se chorava de vergonha, de cansaço ou de emoção por saber que há gente boa. Quando cheguei a casa, partilhei esta história com os meus filhos. De boca aberta, igualmente incrédulos, acabaram por dar umas gargalhadas ao imaginar a minha figura a falar com a máquina como se ela fosse gente. Todavia, e ao jantar, fizeram-me prometer que ia lá no outro dia, devolver a moeda ao rapaz. Assim fiz. No dia seguinte, regresso ao local e procuro-o, já com um euro na mão.

-Menina, não quero dinheiro. Quero gel de banho, pode ser?

-Gel de banho?

-Sim, vou ali aos balneários e tomo banho.

Entrei no supermercado e comprei uma embalagem de gel de banho e uma embalagem de desinfectante.

-Entreguei-lhe as duas e expliquei que o desinfectante estava em promoção. Juro que me apeteceu comprar outras coisas, mas poderia ser mal-entendida.

Entrei no carro. Tirei as luvas, a máscara e passei gel desinfectante nas mãos. Regressei a casa a pensar que na verdade há os que apenas nascem, vivem e morrem e depois há os que são pessoas.

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