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Artigo de Opinião

Professora Universitária

17/10/2022 06:27

Um daqueles sem gravata, sem distância formal. Levou consigo o sentir de um povo, como o madeirense, vítima de grandes tragédias, como a do 20 de fevereiro, mas, também o de uma nação que não fica indiferente a quem, por uma razão ou outra, saiu do nosso chão e foi construir vida no lá longe das fronteiras.

A nossa história fez-nos um povo de andarilhos pelo mundo, marcados pelo espírito europeu da procura de mais conhecimento, obrigados pelas circunstâncias de viver num país pequeno e periférico a encontrar possibilidades e realizá-las noutras terras e herdeiros de um quadro mítico de construção de uma comunidade cultural, fraterna, num mundo feito de diversas humanidades, como defendido pelo Padre António Vieira. Migrantes, a ligação à terra nunca se perdeu. Mesmo quando o país que servimos, não nos serve a nós. Quando somos obrigados a sair e não é uma escolha pessoal, voluntária, mas ditada por razões de ordem económica. Como quando não se encontra o trabalho para o qual se foi formado e obrigou a anos de estudo, quando o emprego que se tem é remunerado duas, três, quatro vezes mais noutras paragens, e arranjar casa é mais fácil e construir família também, numa esperança de futuro.

Terra nossa que amamos, à qual voltamos, na qual investimos, mesmo quando a terra nos trai. Criamos diáspora todos os dias. Não somos meros migrantes que se diluem noutros lugares, porque cultivamos a ligação com as origens, porque regressamos no verão e sonhamos uma casa no país onde nascemos, mantemos relações com os familiares, às vezes de laços já tão ténues, terceiros primos, quartos, em quinto grau. Investimos. Quantos dos nossos migrantes voltaram para criar grandes empresas, promover as artes e a ciência, quantos, ficando lá, construíram riqueza e beleza no mundo?

Os que saem, traídos pelo lugar, continuarão a sair nos próximos tempos. Na nossa Região - que apresenta 74% de crianças com apoio escolar, abandono escolar acima da média nacional, que perde os seus licenciados (afinal, só 14% dos residentes na Madeira tem ensino superior: o que quer dizer que, depois de formados, muitos não voltam), com um salário médio baixo, com habitação a custos altíssimos, com a saúde a apresentar listas de espera sempre a aumentar e poucas garantias de que o dinheiro que se gasta nesta área chega ao cidadão -, a tendência migratória não apresentará no futuro um movimento decrescente. E perderemos população, como vem acontecendo na última década, continuaremos campeões entre as regiões que mais pessoas perdem para outras terras.

São esses madeirenses, portugueses, que não esquecem a origem que não devemos esquecer. Não só nos momentos de festa e comemorações, mas nos profundos momentos de tristeza e tragédia. O ambiente eleitoralista dos próximos tempos, e que se desenha já no horizonte, caracterizar-se-á pela propensão de ver homens como números de votos. Serão seduzidos os que foram, e os que regressaram, com promessas e festas. Andarão nas bocas do mundo de uma determinada direita que se acha dona de tudo e de um outro tipo de esquerda redutora, perigosamente levados para os extremos. Mas, a verdade é que cada migrante - seja o que saiu por uma vida melhor, seja o que resolveu aproveitar as possibilidades da globalização para abrir horizontes de trabalho internacionais e transnacionais - é uma pessoa individual, um universo único.

A pessoa que necessita de saber que de cá pode chegar um abraço. E o que é um abraço quando se perde a esposa, a casa, o negócio? - pensarão os que criticam tudo como profissão. Um abraço é muitas vezes só o que nos mantém em pé, o calor e o coração do outro que acolhe. Deste lado do Atlântico, o abraço de um representa um abraço de todos. Todos os que não são indiferentes à dor dos nossos, um abraço-consolo de uma pátria que se não nos serviu anos atrás, agora não nos abandona.

Luísa Antunes escreveà segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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