No passado pré-mediático e menos consumista da minha infância, só contávamos com ele na noite de Natal para nos deixar os presentes no sapatinho. Conhecíamos a imagem desse velho generoso através dos postais de Boas Festas, que então se trocavam na época, ou de algum familiar que se mascarasse para tornar mais autêntica a sua existência. Nunca o víamos de verdade, mas ele fazia parte da magia.
O mito do Pai Natal, tal como acontece com outras tradições, foi entretecido por um novelo de religiosidade e cultura popular. A sua gentileza inspirou-se em são Nicolau (sec. IV), um cristão natural de Patara (então parte da Grécia, mas atualmente da Turquia). Sofreu a oposição de vários contemporâneos e foi preso por se manter fiel aos seus princípios religiosos. São-lhe atribuídos alguns milagres. Porém, o que mais o notabilizou foi a sua compaixão pelos pobres, tendo abdicado de toda a sua riqueza por eles. Diz-se que gostava de ajudar sem dar alarde, pelo que, no silêncio da noite, deixaria moedas nas janelas ou nos sapatos dos mais humildes. (Na Turquia, como em outros locais, é costume deixar os sapatos à porta, não só por considerarem ser higiénico, mas também sinal de educação e respeito pelo lar.)
São Nicolau é celebrado a 6 de dezembro, dia da sua morte, e essa era a data em que, em vários países, as crianças recebiam presentes. As celebrações ganhavam especial entusiasmo na Holanda, sendo este o santo padroeiro de Amesterdão.
Quando, no século XVII, as primeiras vagas de emigrantes holandeses se estabeleceram no território americano levaram consigo as suas tradições e, em breve, o “Sinterklaas” holandês traduziu-se em “Saint Nicholas”, “Santa Claus”, “St. Nick” ou “Santa”. Em outras geografias, o velhinho bondoso ficou mais ligado à natividade de Jesus – o Natal —, sendo designado como Pai Natal, “Father Christmas”, “Père Noël”.
E eis que chega o contributo da poesia na construção da personagem. Em “A visit from St. Nicholas”, poema atribuído a Clement Clarke Moore (1779-1863), St. Nick surge, pela primeira vez, num trenó, puxado por oito renas velozes que o conduzem sobre os telhados. É um velho bem-humorado e amistoso, que incita as renas, chamando-as pelos respetivos nomes. Olhos brilhantes, barba branca como a neve, bochechas rosadas e barriguinha proeminente, enverga um longo casaco de pelo que se apresenta coberto das cinzas das chaminés por onde desce para entregar as prendas que transporta num grande saco.
Em 1863 o caricaturista Thomas Nast, (1840-1902), inspirado no poema acima referido, criou uma imagem do Pai Natal já semelhante àquela que conhecemos hoje e que serviu de modelo a outro artista, o ilustrador Haddon Sundblom (1899-1976). Em 1930, a marca Coca-cola contratou-o para a campanha publicitária desse Natal. Sundblom manteve as características físicas de “Saint Nick”, mas vestiu-o de vermelho e assim lhe configurou a aparência que preenche o imaginário das gerações até hoje.
Se na minha infância a figura do Pai Natal era algo difusa e imaterial, hoje os Pais Natais abundam pelas ruas da cidade. Nos centros comerciais, reservam-lhe tronos majestosos e os meninos esperam em longas filas para se aproximarem dele, segredar-lhe os seus desejos e para registar o encontro numa fotografia.
Suspeito que profusão possa diminuir a credibilidade, mas a verdade é que o Pai Natal é uma mentira em que todos gostamos de acreditar, mesmo quando já não acreditamos.
Feliz Natal!