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Artigo de Opinião

Professora Universitária

26/06/2023 06:00

O problema não se trata de vergonha das glórias passadas, do sentimento de patriotismo, de coragem. A história de todas as nações está ligada aos tempos, às circunstâncias que se viviam, às conjunturas sociais e ideológicas das várias épocas. Os olhares retrospetivos têm, por isso, de ser necessariamente tanto críticos, como conscientes. Mas, o passado é também feito de presente, isto é, do que neste momento no passado queremos ver como construção de futuro. Há teóricos que chamam a esse mecanismo o "recontar o passado" ou "recompor o passado".

Não vou aqui expor argumentos contra chamar a um museu "das Descobertas": já o fizeram quase uma centena de académicos e cientistas (nem todos da "esquerdalha" sinistra) e de vários centros de investigação, em 2018, na "Carta Aberta sobre um Projeto do ‘Museu das Descobertas’", projeto esse que na altura constava do programa de Fernando Medina para as autárquicas de 2017. Lembro apenas o facto de a designação ser a cristalização de uma "incorreção histórica" que, cito, "apenas se refere à perceção da realidade do ponto de vista dos povos europeus", reduzindo "a riqueza e complexidade dos factos históricos a um só ponto de vista - o português. Ou de privilegiar este ponto de vista, impondo-o a outros que dele não partilham. Seria, ainda, recorrer a uma expressão frequentemente utilizada durante o Estado Novo para celebrar o passado histórico, e que convoca, por isso mesmo, um conjunto de sentidos que não são compatíveis com o Portugal democrático."

Não vou, porque me bastaria colocar a questão: e o primeiro capitão-donatário Bartolomeu Perestrelo e os que primeiro desembarcaram em Porto Santo? Começa com Colombo a expansão marítima portuguesa? Será Colombo um marco das nossas viagens de descoberta de rotas marítimas (e aqui o termo "descobrimento" é exato) e, por isso, deve-se associar o seu nome aos feitos do nobre povo lusitano, às armas e barões assinalados? Porque é que temos de optar por figuras históricas que alimentam o turismo, mas cuja ação nada teve a ver com o povoamento e fixação do nosso povo? Estamos assim tão à míngua de personalidades com capital identitário? Chame-se-lhe Museu de Bartolomeu Perestrelo e Centro de Interpretação da Expansão Marítima, por exemplo. E se os turistas sabem quem foi Colombo e não sabem quem foi Perestrelo, ficam a conhecê-lo. É pela nossa cultura que nos visitam, afinal.

No PORDATA, ficamos a saber que a Região Autónoma da Madeira aumentou de 2000 para 2021 o número de museus de 10 para 16. No Porto Santo, se um era, um ficou. Vejamos a comparação: a Região Norte aumentou de 46 para 110, Aveiro de 8 para 19, Coimbra de 10 para 20, o Alto Alentejo de 3 para 15, o Alentejo Central de 6 para 15, a Região Autónoma dos Açores de 6 para 18. As outras regiões mais do que duplicaram os espaços museológicos. No que toca a Galerias de arte e outros espaços de exposição temporária, a Região Autónoma da Madeira, na sua totalidade, fez progressos assinaláveis até 2021, mas Porto Santo se tinha um espaço declarado, com um espaço ficou, isto passados vinte anos.

Há muito a fazer e muito potencial na história de Porto Santo, nas suas artes, nas suas gentes - é riquíssimo de um percurso de perseverança e de capital identitário. Olhemos mais longe e bem venha um museu que projete esta ilha para o mundo como início de novas rotas, de povoamento para lá das fronteiras da terra continental europeia, que a ligue às outras regiões periféricas, com um olhar moderno, verdadeiramente cosmopolita. A glória portuguesa foi feita a olhar de frente e para a frente. Porto Santo merece essa glória.

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