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Artigo de Opinião

Jornalista

23/11/2023 08:00

Era ali que se ia comprar os bens essenciais lá para casa, desde alimentação, bebidas e produtos de higiene e limpeza. Na minha zona existiam várias vendas. Os donos, frequentemente conhecidos pelos clientes pelo nome, da venda do "senhor Isidro", do caminho chão, do "senhor Silva", do "senhor José Teixeira", etc. Nessa altura, os donos das mercearias desempenhavam papéis fundamentais nas vidas das pessoas locais. Muitos deles conheciam os clientes, as suas preferências e aconselhavam sobre os melhores produtos.

Lembro-me de algumas até se especializavam em algumas áreas. Por exemplo, havia negócios onde se podia comprar algum material para a construção, desde pregos, cimento e outros materiais vendidos avulsos. Outras eram especializadas na venda de tecidos e algumas peças de roupa.

Para além da dita especialização, todas elas tinham uma coisa em comum. Tinha sempre um espaço para a bebida. Este era o espaço naturalmente e quase de forma exclusiva, frequentado pelos homens.

Algumas até tinham três divisórias completamente separadas. Uma para a parte de mercearia, outra para tecidos e outros objetos para o lar, e a outra parte para a dita "tasca". Estes espaços comerciais eram frequentados por todos os níveis etários. As crianças também iam à venda, sobretudo à parte da mercearia. Iam ali a mando dos pais, comprar o que faltava lá em casa. Vendia-se tudo avulso. O arroz, o açúcar, o azeite, o vinagre, o sal, tudo era comprado apenas na medida necessária para aqueles dias. As mercearias eram espaços por norma muito ocupados, com sacas cheias de sal, de açúcar, de massa, armários com várias divisórias para o grão e outros. Para servir nas diversas áreas do negócio, normalmente por detrás do balcão estava apenas um funcionário. Por norma era o dono ou algum familiar do dono. Era esta pessoa que se desdobrava nas várias valências do negócio. Tanto vendia um quilo de arroz ou um quarto de litro de leite, como rapidamente estaria no outro lado a vender um copo de vinho ou uma aguardente. Ao longo do dia, a parte de mercearia era a mais frequentada. Mais para o final do dia, a parte das bebidas acabava por ser a mais requisitada, prolongando-se pela noite dentro. Era aí que o pessoal se juntava para beber um copo e, em muitos casos, vários copos. Eram no fundo, espaços de convívio, onde as preocupações diárias muitas vezes eram esquecidas por momentos. Local para se colocar a conversa em dia, mas em muitos casos as coisas evoluíam para o melhor, ou para o pior. Por vezes, quando o vinho ou a aguardente subiam à cabeça, a coisa tanto dava para um "xaramba", como podia descambar para algum desaguisado entre a malta.

Em algumas vendas era habitual surgir algum despique. Já se sabia que quando se juntavam determinados intervenientes, a coisa ia pender para uma série de cantigas ao desafio. Na minha zona recordo-me do senhor "Castelo". Era um homem com alguma idade. Chegava ao fim do dia à "tasca". Quando lá chegava, já se sabia que mais tarde ou mais cedo ia haver cantoria.

O senhor "Castelo", era um criativo. Vinha sempre descalço e de saca de lona ao ombro. Na sua sabedoria popular, era um homem de improviso fácil. Tinha versos e cantorias para tudo o que surgia à sua volta. Quando lá estava, era normalmente desafiado por outros para uma série de despiques. Estava sempre disponível. Proporcionava boa disposição. Este era o lado bom desses momentos de convívio, junto ou dentro das "vendas".

Infelizmente, algumas vezes, as coisas seguiam caminhos mais complicados. Quando o álcool começava a provocar os seus efeitos, por vezes, algumas palavras mal medidas provocavam desentendimentos que rapidamente acabavam em agressões físicas. Com alguma frequência, ouvia-se falar em "zaragatas", muitas delas com contornos de alguma violência. Nessa altura, tudo era mais complicado, até porque na zona não havia posto policial, como nos dias de hoje. Outros tempos.

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