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Artigo de Opinião

26/02/2022 08:00

De vez em quando ouvimos dizer que a História é escrita por quem venceu. No entanto está cheia de relatos escritos por quem não venceu. Melhor seria dizer que é escrita por sobreviventes, por quem, independentemente de vitórias ou derrotas pontuais, conseguiu viver mais um dia para contar o que se passou, para que a sua descendência possa aprender com os erros do passado, pelo menos o suficiente para não os repetir.

Vladimir Putin é uma pessoa brutalmente inteligente e culta. Conhece a História, conhece os Clássicos, conhece o Poder visto de várias perspetivas e, nas últimas duas décadas, "na ótica do utilizador". O seu percurso no KGB e a sua visão fria e calculista da "Real Politik", conduziram-no à posição que ocupa, à frente de um estado poderoso e cada vez mais moldado à sua imagem.

Putin sente-se um herdeiro dos Impérios (Czarista e Soviético). Mas, apesar de ser um astuto sobrevivente, carrega consigo uma espécie de pecado original: um ego gigante que o faz afastar adversários e rodear-se apenas de quem nunca o contraria. Essa particularidade conduziu a que acreditasse na sua própria diplomacia e na narrativa histórica do vencedor. Ao escolher a máxima de Clausewitz, esqueceu-se ou desvalorizou os erros históricos de gente com poder semelhante, nomeadamente os da URSS do pós-guerra.

Quando em 1948 Estaline quis expulsar os outros aliados de Berlim, responderam-lhe com uma ponte aérea e, de seguida, com a criação da NATO em 1949. Pior, substituiu-se aos alemães nos ódios de estimação da Europa. Quando em 1950 caucionou a invasão da Coreia do Sul por parte dos seus vizinhos do norte, tornou-se uma ameaça maior: fortaleceu a NATO e fez com que até os franceses concordassem com o rearmamento da RFA que viria a integrar a Aliança em 1955. Quando a NATO tremeu depois do incidente do Canal de Suez, a URSS decidiu invadir a Hungria (que se tinha limitado a interpretar literalmente o discurso de Kruchev) e reforçou os laços anteriores na Aliança.

Os episódios sucedem-se: Segunda crise de Berlim (1958-1961), que culminou com a construção do Muro; Checoslováquia, 1968; Afeganistão 1979; Polónia 1980-1981… Todos estes eventos contribuíram sempre para um fortalecimento do bloco Ocidental e do poder dos EUA e até mesmo para o reforço da União Europeia.

Agora chegou a vez de Putin, que em nome de uma noção de Segurança da Rússia, tem provocado um reforço de uma União Europeia que mostrava sinais de fragmentação e do papel da NATO. Nenhum dos governos dos países que a integram terá qualquer dificuldade em convencer os seus cidadãos a reforçar as verbas para a defesa e os contributos para a Aliança nos próximos tempos.

Depois da ameaça expressa à Suécia e Finlândia, pôs estes dois países, bem como a Suíça e a própria Moldávia (constitucionalmente neutral), muito mais perto de ficar sob a alçada da NATO.

Mas para lá das sanções que só farão efeito daqui a meses, Putin criou para si um problema semelhante ao do Afeganistão: Com quatro países da NATO nas fronteiras da Ucrânia não será difícil aos EUA e seus aliados criar bases fora da Ucrânia, com o apoio dos formadores da CIA (que já lá estão pelo menos desde 2014) e armados mais ou menos discretamente por diversas vias. Seja ocupando e anexando a Ucrânia, seja promovendo a deposição e substituição do governo ucraniano por um outro mais alinhado com os interesses de Moscovo, não se vai livrar de anos de uma guerra de insurgência que sangrará os recursos da Rússia, agora mais difíceis de repor.

Os atores podem parecer ser diferentes, mas a geopolítica é a mesma. Mesmo que inesperadamente a história teima sempre em repetir-se cada vez que nos esquecemos das suas lições.

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