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Artigo de Opinião

20/11/2025 08:00

O vício das apostas online tornou-se uma ferida silenciosa na vida de muitas pessoas. É discreto, começa devagar, quase sempre escondido atrás de um telemóvel. Mas cresce rápido. E, quando damos por isso, já está a causar danos profundos no bem-estar emocional, nas relações familiares e na própria identidade de quem sofre.

Os números mais recentes mostram algo inquietante: cada vez mais jovens entram neste ciclo de aposta–perda–esperança–recaída. Entre 2023 e 2024, cerca de 31% dos novos registos nas plataformas de jogo online foram na faixa dos 18 aos 24 anos.

Muitos destes jovens iniciam-se por curiosidade ou influência dos amigos. Outros porque procuram uma forma de aliviar a ansiedade, o vazio ou a pressão do dia a dia. A promessa do “dinheiro fácil” cria uma ilusão de controlo, mas na verdade aprisiona. O cérebro começa a responder aos estímulos rápidos e ao reforço imprevisível. O jovem passa a precisar de apostar para sentir alívio, excitação ou simplesmente para fugir à realidade.

Os dados não enganam. Segundo um estudo recente, 67,6% dos jovens entre os 15 e os 34 anos já apostaram dinheiro. Desses, 7,3% gastam mais de 100€ por mês, e 1,8% chegam a ultrapassar os 250€ por mês. E mesmo entre os adolescentes mais jovens, a vulnerabilidade é real: cerca de 5% dos jovens com apenas 13 anos já fazem apostas online a dinheiro — e esse valor sobe para 21% aos 18 anos.

Este é um fenómeno silencioso. Não há cheiro, não há marcas no corpo, não há sinais visíveis. Muitas famílias só percebem tarde demais: quando surgem dívidas, mentiras, isolamento, irritabilidade. E é muitas vezes nessa fase que os pais procuram ajuda, já com medo, culpa e confusão. Aqui, a família é mais do que um pilar - é o primeiro sistema afetivo capaz de reparar, acolher e reorientar. Estar atento, criar espaço para falar sem julgamento e procurar apoio especializado são passos decisivos.

É aqui que a psicologia faz a diferença. A prevenção começa muito antes do primeiro clique: passa pela educação emocional, pelo desenvolvimento de competências de autorregulação, pela capacidade de lidar com frustração e impulsividade. São áreas em que o acompanhamento psicológico pode ajudar crianças e jovens a desenvolver estratégias contra os comportamentos aditivos.

E quando o vício se instala, a psicoterapia torna-se essencial. A intervenção psicológica ajuda a compreender a raiz do comportamento, a reconstruir rotinas saudáveis, a trabalhar a culpa e a ansiedade, e a recuperar a autoestima - frequentemente devastada. O tratamento não é apenas técnico. É profundamente humano. Trata-se de restaurar dignidade, conciliar a pessoa consigo própria e com os outros.

Mas o esforço não pode ser apenas individual ou familiar. A sociedade precisa de assumir responsabilidade. A publicidade às apostas é invasiva, dirigida a quem é mais vulnerável emocionalmente. Normaliza o risco, glorifica o ganho e esconde a perda. É urgente limitar estes estímulos que alimentam o ciclo aditivo. Da mesma forma, a legislação e a fiscalização devem ser mais firmes, mais presentes e mais protetoras, sobretudo no que toca aos jovens.

O vício das apostas online destrói famílias, fragiliza laços, corrói a confiança. Mas também nos lembra algo essencial: ninguém está sozinho. Com prevenção, acolhimento e apoio psicológico competente, é possível travar este fenómeno e devolver esperança a quem se perdeu no caminho.

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