MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Advogada

10/06/2022 08:01

Entretanto, enquanto as barracas não se montam, monta-se o braseiro e vamos à serra.

Tradição que nunca foi de grande estima pela minha pessoa, mas como não me mandava era coagida a marcar presença. Maioritariamente a acompanhar um dos mais de cinquenta compadres dos meus pais, diretamente vindo da Venezuela, África do Sul ou, mais raramente, da França, por cá vinham passar "un rato", "umas holidays" ou "umas vacanças" e tirar o mofo ao Mercedes dos anos oitenta que ficava guardado na garagem, adormecido, até ser acordado, tossindo de insatisfação voltando ao ativo, nem que por umas semanas.

A ida à serra começava de véspera, preparavam-se bolos caseiros, que seriam degustados por todos e avaliados, numa competição passivo-agressiva, entre as senhoras que os confecionaram, pão e mais raramente pudins e geleias.

Aos senhores determinava-se a compra da carne para a espetada, o vinho caseiro e a cerveja. Se se tratasse de alguém vindo do Curação, Antilha Holandesa no sul das Caraíbas, uma bebida azul, que ainda hoje me intriga, seria posta à disposição. Da França "Ricoré", que na altura era um petisco ou "Rum Aniversário", proveniente da Venezuela, transportado dentro duma bolsinha de couro que dava uma excelente mala de viagem para as bonecas.

Cedo, no dia determinado, enchiam-se os porta-bagagens com geleiras portáteis repletas de laranjada, cerveja, brisa e gelo multifunções, porque o mais certo era servir de curativo a uma entorse ou joelho esfolado, pão, semilhas por cozinhar e lenha, bolas de futebol, cobertores e toalhas, baralhos de cartas, dominós que rolariam furiosos sobre as mesas de cimento da Bica da Cana ou da Fonte do Bispo e, se não fosse afoito, o cão.

Chegar cedo era segurança de encontrar braseiro livre e canto para estender toalha, manta debaixo da árvore e um campo de futebol improvisado. A lenha era posta a arder até se transformar em brasa, enquanto alguém se aventurava serra adentro à procura de louro para temperar o bicho e usar a haste como espeto.

"_Esqueceram-se do sal??!!" E agora!!??"

Com um pouco de sorte um grupo vizinho dispensaria um "punhado" e salvaria a honra do convento, de outra forma, o amnésico, sumariamente julgado, seria condenado a conduzir até a localidade mais próxima para adquirir o precioso mineral e salvar o dia.

Consumido o repasto, enchidas as medidas, discutidas as jogadas em gritos decorados de eco dos vales com cheiro a pinho, já bem tarde, com o corpo encardido de pontinhos de terra em pó, desceriam os carros, mais leves, mais sujos, pelas mãos das senhoras, que substituiriam, heroicamente, os ébrios maridos cheios até às orelhas das bebidas mais ou menos exóticas, a rir desalmadamente ou a rabujar aquela "menina" mal-amanhada da última "cassinada".

Nós, crianças, no banco de trás, a tirar bocados de carqueja do raio do cão, que afinal não parecendo, era afoito, mas estava feliz. Tínhamos ido à serra. Alguém tinha de gostar, nem que fosse… o cão.

OPINIÃO EM DESTAQUE

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Como avalia o desempenho de António Nunes à frente da Proteção Civil da Madeira?

Enviar Resultados

Mais Lidas

Últimas