Já podemos voltar a falar do aumento do molhe da Pontinha? Sim, aquele que o cidadão comum, uma vez que lhe foi mal explicada a ideia, comentava: “com tanta dificuldade, vão gastar 100 milhões a deitar rocha e betão, quando já tanto barco apoita?”. Vamos! Esta é a hora de refletir, e com seriedade. O assunto tem duas premissas fundamentais: como? e para quê?
Um porto de cruzeiros é, em termos económicos, uma exportação ao contrário: em vez de enviarmos produtos pelos canais tradicionais, são os consumidores que vêm até nós. E estes turistas são, por natureza, os que menos pressão exercem sobre o território. Não dormem na ilha, não pressionam o mercado imobiliário, não sobrecarregam hospitais, escolas ou ETAR. O seu impacto urbanístico é mínimo, mas o impacto económico pode ser gigantesco. São “exportações limpas”.
O aumento do molhe da Pontinha permitiria a atracagem dos novos megacruzeiros, verdadeiras cidades flutuantes. Basta recordar que já existem navios com mais de 5.600 passageiros, e que o Icon of the Seas chega aos 7.600 passageiros, ultrapassando as 10 mil pessoas com tripulação. Para sermos competitivos, precisamos de um porto capaz de os receber.
O custo estimado para ampliar o molhe em 400 metros ronda os 150 milhões de euros. Uma extensão de 200 metros ficaria pelos 90 milhões. E o cidadão pergunta: “por que gastar isto quando há carências na saúde ou na área social?” A pergunta é legítima, mas a resposta é simples: este investimento não recairá sobre o orçamento regional. Tal como acontece com a via rápida ou com o aeroporto da Madeira, tratar-se-ia de uma concessão internacional, em que um operador global assume o investimento em troca da exploração durante um prazo adequado. Para estes gigantes do setor, 150 milhões são “peanuts”, como diria Jorge Jesus.
E é aqui que surge um ponto essencial: se hoje aparecem investidores dispostos a colocar 150 milhões no porto sem que a Região sinta essa despesa, porque razão nunca aparecem investidores disponíveis para colocar o mesmo valor, ou superior, no nosso hospital, nos cuidados de saúde, ou noutros serviços fundamentais? A resposta é dura, mas esclarecedora: os privados investem onde podem gerir um negócio, não onde teriam de decidir se um cidadão deve ou não ser operado. E é precisamente isso que nos deve fazer refletir. O Porto de Cruzeiros, sendo gerido por uma entidade externa, não nos causa qualquer constrangimento, porque se trata de um serviço económico, com regras e tarifas. Mas queremos mesmo aplicar essa lógica a áreas vitais como a saúde? Queremos que seja um investidor que não conhecemos a decidir se devemos ou não fazer uma operação? Naturalmente que não. É por isso que comparar as duas áreas é um falso debate: o porto pode ser concessionado; o hospital, nunca.
Voltando ao essencial: com um investimento externo, não perderemos autonomia, nem soberania, nem qualquer capacidade de regulação. Ganharemos um porto moderno, competitivo e capaz de recolocar a Madeira nas grandes rotas atlânticas. E, sobretudo, abriremos finalmente o potencial do Cais 8, uma joia adormecida que permitiria o desembarque direto na Avenida do Mar, dando-nos o pretexto para obrigar o Governo da República a libertar os edifícios da GNR, da Capitania e da Alfândega, devolvendo ao Funchal a sua frente atlântica.
Com a vinda destes megacruzeiros, também o nosso turismo teria de se reinventar, criando microexperiências de 5 a 7 horas que captassem gasto direto. Estes turistas não alugam carros, não ocupam alojamento, não contribuem para congestionamentos. Chegam, usufruem, gastam. E partem. UFA! É a forma mais eficiente de turismo que existe.
A pergunta que muitos colocam é: “por que razão um gigante internacional investiria 150 milhões por taxas portuárias tão baixas?” A resposta é evidente: a Madeira é estratégica. Está a meio caminho entre a Europa, a costa ocidental africana e as Caraíbas. A nossa posição permite criar sinergias com portos próximos, linhas transatlânticas e circuitos sazonais. Não é pelas taxas, é pela geografia.
É por isso que este é um daqueles momentos raros em que existe a possibilidade de fazer um grande negócio para a Madeira sem peso no erário público. Podem dizer que “quando a esmola é grande, o pobre desconfia”. Mas seria um erro histórico deixar esta oportunidade perder-se por politiquices de “lana caprina”.
Para que tudo isto faça sentido, não basta aumentar o molhe “pela metade”. Importa ter visão. Com a possibilidade de fazer um projeto estruturante, devolvendo ao usufruto dos madeirenses o edifício do cais, respeitando a zona internacional, com restaurantes, espaços culturais e lúdicos voltados para o anfiteatro. Um novo Porto do Funchal, moderno, aberto, integrado.
A coragem é sempre a peça em falta. Esperemos que, desta vez, não falhe.