Os preços de construção por metro quadrado na Madeira continuam a atingir valores que sugerem uma ambição cultural refletindo (um) crescimento económico. Mas quem visita as obras percebe a incoerência: estruturas frágeis, impermeabilizações improvisadas, isolamento ausente, acústicas defeituosas, acabamentos que denunciam pressa. Os projetos até podem cumprir com a legislação, mas não são cumpridos em obra. E quando a construção desrespeita aquilo que deveria orientá-la, o território paga a fatura.
Tal como antes do colapso de 2008, vivemos uma economia sustentada pela aparência. Na altura, produtos financeiros frágeis eram vendidos como investimentos seguros; hoje, edifícios mal-executados são promovidos, atribuindo-se-lhes nomes pomposos como “elite”, “prestige” e “premium” numa cacofonia de palavras importadas. A ilusão só prospera porque a responsabilidade se dilui. Os promotores aceleram prazos, comprimem margens e deixam a qualidade cair pelo caminho. Nas obras, improvisa-se ao invés de se seguir o projeto. A fiscalização, demasiado passiva, permite que a mediocridade se normalize.
As câmaras municipais limitam-se ao urbanístico — é o que a lei lhes faculta. A qualidade construtiva fica fora do seu alcance. Já a política escuda-se na ideia de não interferir no mercado, como se o mercado, entregue a si próprio, fosse gerador espontâneo de rigor técnico. Não é. E as ordens profissionais, embora presentes, têm uma intervenção que raramente transborda do procedimental, incapaz de travar o incumprimento sistemático que corrói o resultado final.
Os promotores têm, ironicamente, a maior fatia da responsabilidade. Quem constrói para vender deveria ser o primeiro interessado em garantir que o produto tem dignidade. Quando isso não acontece, não estamos perante liberdade de mercado — estamos perante negligência disfarçada de eficiência. E é essa negligência que alimenta a bolha.
A exigência coletiva — a cultura do “isto não chega” — tem mais força do que se pensa. Quando o comprador começa a exigir, o mercado responde. Até lá, continuará a servir gato por lebre, porque gato dá mais lucro.
O que enfrentamos não é inevitável, é o resultado de anos de permissividade, de um ecossistema habituado a confundir rapidez com eficácia e aparência com qualidade. Mas o território não perdoa. Um edifício mal construído é uma dívida futura: infiltra, fissura, adoece — e arrasta quem acreditou estar a comprar qualidade.
Resta decidir se queremos uma Madeira construída para durar ou apenas para vender. Porque, neste momento, a diferença entre ambas mede-se em bem mais do que o preço do metro quadrado — mede-se na fronteira entre um território digno e uma ilusão prestes a ceder.