Cuidar da saúde mental não é luxo: é infraestrutural. Numa sociedade que mede valor em produtividade e presença online, o autocuidado funciona como travão e bússola. Travão, porque desacelera o ciclo de exigências infinitas; bússola, porque nos ajuda a escolher o que importa. Sem rotinas de descanso, alimentação, movimento e conexão, a mente gasta-se como um motor sem óleo.
Os dados em Portugal pedem urgência e honestidade. Quase 31% dos jovens apresentam sintomas depressivos — muitos moderados ou graves — segundo a Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental.
Em 2022, a taxa de mortalidade por suicídio entre os 15-24 anos atingiu 4,9 por 100 mil habitantes, o valor mais alto em duas décadas, com 53 vidas perdidas, de acordo com o INE.
E em 2024 foram dispensadas cerca de 12,8 milhões de embalagens de antidepressivos, um indicador indireto da pressão cumulativa sobre a saúde mental no país, segundo o Infarmed. Estes números não são para alarmismo; são para ação.
Autocuidado não é egoísmo nem “spa day” semanal. É higiene mental diária: sono consistente; pausas ativas e exercício regular; alimentação estruturada; limites digitais (silenciar notificações e reservar tempo sem ecrã antes de dormir); literacia emocional (nomear emoções, pedir ajuda, dizer não); e micro-hábitos de regulação (respiração diafragmática, escrita, contacto com a natureza). É também comunidade: cultivar relações seguras, grupos de pares, escolas que ensinam competências socioemocionais. Entre os jovens, vale ouro o triângulo “rotina–pertença–propósito”: horários minimamente estáveis, laços que acolhem e objetivos realistas.
A prevenção começa cedo e precisa de ser concreta. Mecanismos com impacto real incluem: rastreio de ansiedade e depressão nos cuidados de saúde primários e nas escolas, com referenciação ágil; equipas multidisciplinares acessíveis e sem barreiras económicas — psicologia, repito, não pode ser luxo; formação de “gatekeepers” (professores, treinadores, líderes juvenis) para reconhecer sinais de alarme e saber encaminhar; linhas de apoio 24/7 e planos de segurança personalizados para quem vive com risco; políticas académicas e laborais com previsibilidade, pausas e direito à desconexão; literacia mediática e digital para reduzir comparações tóxicas e consumo compulsivo.
Falar é prevenção. O silêncio alimenta o estigma; o diálogo abre portas. Quando normalizamos frases como “não estou bem” e “preciso de apoio”, baixamos a barreira de entrada ao cuidado e evitamos escaladas. E que os media continuem a comunicar com responsabilidade — sem romantizar o sofrimento nem detalhar métodos.
Por fim, responsabilidade partilhada. As instituições públicas devem reduzir tempos de espera, financiar cuidados de proximidade e medir resultados; as instituições precisam de culturas saudáveis, com metas realistas e descanso protegido. Ainda assim, há um raio de agência pessoal que ninguém nos tira: agendas com margens, encontros sem telemóvel, rotinas que respeitam o corpo e a mente. O autocuidado é a gramática do bem-estar: discreta, repetitiva, essencial. Quando a aprendemos — e falamos dela sem tabus — a sociedade fica menos cínica, mais presente e, sobretudo, mais humana.