Noutro dia dei por mim a ler uma notícia que parecia saída de um filme, mas não — é a vida a ser mais genial do que qualquer argumentista.
As protagonistas? Três “meninas” cheias de vida: Bernadette, Regina e Rita. Jovens de 88, 86 e 82 anos, respetivamente. Sim, três irmãs de convento, da Congregação das Canonisas Agostinianas, que viveram toda a vida no Mosteiro Goldenstein, na Áustria.
O que aconteceu? A história do costume. Poucas vocações, convento a esvaziar-se, e a Arquidiocese de Salzburgo decide que o edifício já não é para elas — toca a enviá-las para um lar de idosos católico. Em dezembro de 2023, com toda a pompa burocrática, foram “realojadas”. Tudo limpinho, arrumado, assinado.
Mas... no mês passado elas disseram “não, não e não!”. E se há coisa que me arrepia é ver três octogenárias a desobedecerem à santa obediência para se manterem fiéis a uma promessa maior: viver o resto da vida na sua casa.
Fugiram do lar, com ajuda de antigos alunos, e regressaram ao convento. Não foi de mansinho: contrataram um serralheiro para arrombar portas, religaram a eletricidade e a água, e com amigos e ex-alunas começaram a reerguer o convento pedra a pedra, memória a memória.
Têm até uma página no Instagram — @nonne_goldenstein. Recomendo. É ternura, coragem e rebeldia tudo junto.
Mas este artigo não é sobre elas. Não é só sobre freiras fugitivas com espírito de rockstars. É sobre nós.
É sobre o retrato cru e triste da nossa sociedade, que, contra mim escrevo, já não podemos permitir que os nossos avós e pais vivam no espaço que é deles — a sua casa, o seu pedaço de chão.
Quantos de nós não vimos a vida dos nossos velhos reduzida a um quarto de lar, quando tudo o que pediram sempre foi o direito a adormecer no sítio onde sonharam uma vida inteira?
Muitas vezes, esses pais e avós hipotecaram tudo por aquela terra, aquela casa, aquele terreiro onde o sol bate de manhã. Quantas guerras familiares, quantas dívidas, quantas heranças amargas nasceram disso? E no fim, a solução genial da modernidade é pô-los num “asilo”.
Sim, digo a palavra dura: asilo. Uma espécie de exílio, mas dentro da própria terra.
E nós falamos em construir mais lares, mais protocolos. Tudo técnico, tudo higiénico. Mas onde está o humanismo?
Onde está o plano para que os nossos velhos possam continuar em casa, com as suas coisas, com os seus cheiros, com os seus silêncios?
Eu não tenho a solução. Talvez a inteligência artificial, os robôs da Tesla, talvez tecnologias que ainda nem imaginamos. Talvez nada disto.
O que sei é que as doenças e a fragilidade não traem apenas quem as vive. Traem, sobretudo, quem ama.
Achamos, no “mundo dos achismos”, que ao colocar os nossos pais e avós num lar lhes estamos a dar conforto. Mas pergunto: será mesmo isso que eles sentem?
Nunca podemos esquecer que hoje somos os filhos, mas amanhã seremos os pais e os avós e o ciclo poderá repetir-se.
As Irmãs Bernadette, Regina e Rita tinham todas as condições materiais no lar onde estavam. Mas escolheram o desconforto de um convento vazio, frio, húmido, sem elevador. Porque ali estava o conforto maior: o coração.
E nós? Que lição aprendemos com estas fugitivas de Deus?
Talvez que, no fim, só há uma casa que importa: a que nos dá paz na alma.