Percorro os cantos da ilha, na velocidade que os carros à frente do meu deixam, muitos ostentam autocolantes na parte posterior dos bólides que enchem e entopem os caminhos da ilha.
Percursos atafulhados, lentidão que se confunde com as procissões de domingo das igrejas em sítios recônditos. Todo o cuidado é pouco, inversões de marcha em sentidos proibidos, ultrapassagens dignas do circuito de Monza... Em todos os recantos existe essa marca de qualidade, que a funciona como aviso: “as regras para mim não são as mesmas que para ti”. Automóveis perdidos em cima de passeios, a meio das estradas, para tirar umas fotografias com o ar desafiante de quem diz: “quem quer passar que se preocupe, que isto não é meu”, e eu ando ziguezagueando pelos percursos que nos deixam, numa clara mensagem que a Ilha já não é minha.
A tranquilidade das serras desaparece, a própria serra tende a esconder-se no meio de o atentado ambiental que é sujeita, os caminhos para lá chegar, a pé ou de carro, estão transformados em labirintos e a cada esquina aparece um Minotauro, mas a já não é minha.
Procuro, muitas vezes refugiar-me no conforto da minha cidade, ao mesmo tempo que passo e tento redescobrir os recantos da mesma, dou de caras com a nudez da mesma. Eventos há, todos os meses, uma festa qualquer que gira em torna de uma bebida alcoólica qualquer, nas mesmas barracas de madeira que tornaram-se atrações turísticas da artéria principal da cidade. Os bares e restaurantes que começam a aparecer tendem a ser cópias de todos os sítios que aparecem nos feeds das redes sociais. O que importa é os likes, os reels, o engagement, ou outra coisa qualquer, a essência do que somos? Essa já foi vendida nas feiras de turismo por esse mundo fora. Os antigos, resistem como Viriato, ao mesmo tempo que muitos são expulsos para dar lugar a cópias. E a cidade? Começa a parecer-se como todas as outras, com restaurantes que não são para mim, alojamentos que não são para mim... E a cidade já não é minha.
Agastado recuo para o meu porto de abrigo. Procuro no silêncio, do mesmo, algum motivo para isto, reconforto-me nas palavras “não há excesso de turismo”. Acredito que tudo o que vejo é somente uma alucinação e fecho os olhos, a pensar que quando acordar tudo será um sonho... Mas o barulho do AL do lado não me deixa dormir, não me deixa acordar, só me deixa existir numa ilha que já não é minha.