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Artigo de Opinião

DO FIM AO INFINITO

11/06/2021 08:00

Deixa-se correr o mundo no seu estado natural, com amor e horror, com arte e guerra, com lógica e absurdez. Espera-se pela morte das horas, a morte do tempo. Morre-se em silêncio, morre-se em solidão. Renasce-se do mesmo jeito.

Mas há sempre uma história para contar e isso é o que nos salva, qualquer coisa que se esconde diante do olhar, um segredo que quer entrar e fazer parte da nossa vida, um rumor que vem de longe para nos sussurrar amo-te e amo-te, meus amigos, é tudo o que queremos ouvir do mundo.

- Amo-te.

E depois bola para a frente. Vamos embora que já é tarde. Isto é sempre a abrir. Parar é morrer. Nem mais. Como se fosse verdade, meu Deus! Como se a gente acreditasse mesmo nisto, nesta fuga para a frente, nesta aceleração rumo ao país do amanhã sem passar pela casa do ontem, nesta pressa do ser que fica para trás e esconde a nossa imensa vontade de chorar.

- Chora.

Digo-vos: É bom parar de vez em quando e ter medo. É bom atormentar-se de tormentos nada e de tormentos tudo também. É bom sentir que a terra vai tremer e o mar vai enlouquecer e o céu vai desabar. É tão bom sentir a luz antes do túnel e a escuridão lá dentro e, melhor ainda, é perder a força e cair, dormir, esquecer. É tão bom não querer nem crer, jogar às cartas com as palavras e fazer batota, usar adjetivos como trunfos e perder. É tão bom rir de mim, de ti, de todos, rir como um palhaço.

- Ri. Vá lá, ri.

Dissecar a atualidade é uma forma de perder tempo e gastar o pensamento em vão, mas pior ainda é analisar a realidade e descobrir a ficção. Se calhar, assim é que está certo, nunca se sabe. Ficamos cheios de nada e os outros levam a melhor. É o que é. Tanta sabedoria e tão pouco proveito. Por isso, ou para isso, servem os palavrões e os insultos também. Puta que os pariu é o melhor de todos, uma excelente maneira de dizer a verdade.

- Puta que os pariu.

Seja como for, vale sempre a pena escrever, contar uma história e fazer ver.

Assim, por exemplo:

Era costume a mãe bater-lhe, mas desta vez bateu-lhe com muita violência e o cabo de urze da vassoura ficou-lhe marcado nas costas. Ele tentou escapar, mas não conseguiu. A mãe não parava de lhe bater. Uma chuva de pancadas. Prometeu vingar-se. Na manhã seguinte, a mãe pediu-lhe que fosse à mercearia comprar arroz para o almoço. Ao sair de casa, passou pela cozinha e surripiou uma caixa de fósforos. Atrás da casa havia uma mata e estava cheia de amoras negras, belas e saborosas. Era verão. Riscou um fósforo, depois outro, outro ainda. Riscou todos os fósforos da caixa, com uma fúria que crescia a cada fósforo. Depois, seguiu caminho até à mercearia, indiferente. Regressou meia hora depois, por uma vereda que contornava a casa pelo lado norte. Lá de cima, viu o matagal a arder e a casa também. Viu a mãe e os vizinhos aflitos, tentando apagar o fogo com água que tiravam do poço em pequenos e ridículos baldes. O fogo, porém, era cada vez maior. Sorriu. Tinha doze anos e cumpria a sua primeira vingança.

Escrever também é isto…

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