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Artigo de Opinião

O ESPÍRITO DOS TEMPOS

26/03/2021 08:03

Para Bismarck, a política foi a arte do possível. Para Churchill, a política foi poder morrer, em sentido figurado, várias vezes. Infelizmente, os grandes estadistas são cada vez mais raros. Já os políticos da banha-de-cobra, pelo
contrário, são cada vez mais, nomeadamente os que não têm a mínima noção das suas limitações e os que pensam que tudo é possível e deve ser imediato.

Hoje um aspirante a político usa um mural para gostos, partilha intimidades, debita inânias como se explicasse teoremas matemáticos e venera o conforto das modas de ocasião. Bem espremido, talvez não seja possível extrair-lhe dois parágrafos sólidos sobre uma ideia que vá além do achismo, o celebérrimo "eu acho". A pobreza da argumentação confirma a degradação da palavra, do raciocínio, do debate. Com qualquer deles, vem a boçalidade. E o perigo inerente.

Não o digo com desdém. Digo-o com pena e pela complicação que é sair do óbvio, da frivolidade, do discurso que anda às voltas sem produto consequente. E digo-o ainda pelo horror que é ver o atrevimento revelar, não sapiência, mas
profunda ignorância. Como não se preparam, preferem a ideia feita, o truque linguístico, o não-argumento. O complemento é salivar no paraíso virtual, um local de terapia onde meio mundo se dedica a frustrações, invejas e exibicionismos e outro meio mundo se dedica a fingir que se preocupa com isso. O resultado é o embrutecimento.

É, em parte, nesta selva que as novas hordas forjam as alianças que chegam a durar menos que um casamento do século XXI. Vive-se do repentino, da fama efémera, à procura da atoarda, da piada ou da divisão tosca entre "bons" e "maus". Não é preciso saber nada, só é preciso saber cavalgar a onda certa, a onda do populismo básico e primário.

Thomas Hobbes afirmava que o homem era o lobo do homem e o Leviatã um mal necessário para evitar a barbárie, a selvajaria e a violência gratuita que o homem exerce sobre os seus semelhantes, na luta de todos contra todos pela
sobrevivência. Jean-Jacques Rousseau, 100 anos depois, avançou a teoria do bom selvagem, dizendo que o homem bom era corrompido pela sociedade e que era necessário refrear os seus desejos predatórios. Apesar das diferenças, Hobbes e Rousseau, tinham subjacente uma ideia semelhante, a ideia de contrato social, sedimentada na lógica de uma troca em que os homens cedem liberdade por segurança, trocam o estado selvagem por um bocado de civilização. Mas se houve coisa que o século XX ajudou a compreender é que o Leviatã tanto protege como inicia a matança industrial e a aniquilação em massa. Já no século XVIII, a Revolução Francesa havia provado que a natureza humana tem um estranho fascínio por guilhotinas e outros artefactos, principalmente quando a pulsão revolucionária é mais forte e culmina na costumeira fúria homicida. Encontrar os pontos de equilíbrio é tarefa assaz notável.

É estranho que pessoas com responsabilidade andem convencidas que é nas trincheiras virtuais, na quase ausência de bom-senso, que a política evolui. É estranho que não percebam que prometendo tudo e o seu contrário, matam a legitimidade de se agir com equidistância, racionalidade e probidade. É também estranho que não entendam que o sistema democrático, qual rede informática, não pode ser aberto, rápido e seguro, porque é impossível ter os três atributos ao mesmo tempo. No fundo, dizem "amar" a democracia, mas o que perseguem são os plebiscitos diários e a governação referendária feita de aplausos e apupos, enquanto alimentam e cuidam do monstro, a turba imprevisível. Também um dia, o Dr. Victor, cheio de boas intenções, inventou um monstro que ficou conhecido como Frankenstein. A criatura ficou tão incontrolável que a sua sanha destruidora só parou com a morte do seu criador e de todos os que lhe eram queridos e próximos. Mas esta é a parte da história que poucos conhecem.

OPINIÃO EM DESTAQUE
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