Mas sei que o Abel era diferente. Em tudo! O Abel vivia o hoje como se não houvesse amanhã. No entanto, vivia de forma tão intensa que, por vezes, ficava com a sensação de que a cabeça dele já estava no dia seguinte pois aquele já não tinha horas suficientes para fazer tudo o que queria. Já ia, portanto, no amanhã. No fundo, ele tinha só 53 anos, mas viveu perto de 80. O Abel era assim. Tinha um calendário único. Não tinha dias inúteis. E ainda fazia horas extra.
Eu escrevo isto e confesso que não o conhecia há assim tanto tempo. Não sei agora precisar pois o tempo para mim vale muito pouco. A intensidade do que vivo é o que me faz contar os dias como ganhos e não como simplesmente passados. Terá uns 2, 3, 4 anos que fui pela primeira vez à sua "tasca gourmet"? Provavelmente. E só me arrependo disso! Devia ter ido mais cedo. Muito mais cedo. Lembro-me desse dia como se fosse hoje. Tinha sido convidado para um jantar informal com uns colegas. Não costumo ir. Aliás, nunca antes tinha ido e não mais voltei a ir. Mas àquele fui. O meu compadre aceitou o convite por mim e foi buscar-me a casa. Não sabia para onde ia. E ainda bem que me convidaram. Ainda bem que aceitaram por mim. Ainda bem que me levaram lá. Ganhei, logo ali, um Amigo. Eu sei que sou "fácil". Mas do Abel era impossível não gostar. Ele era uma pessoa daquelas que se querem por perto. Uma das que faz falta. Das que nos empurram para cima.
Desde esse dia que ficámos próximos! Tão próximos que amanhã, no meu aniversário, era a única pessoa com quem eu estaria sem o meu sobrenome. Estava tudo marcado. Ele tinha tirado o dia. Eu também! Íamos esquecer o tempo. E rir! Rir muito. Como sempre.
E é isso que vou guardar! É esse o seu presente para a minha vida. A gargalhada. O riso fácil. A boa disposição. A disponibilidade para sorrir e fazer sorrir.
Para quem fica e me lê, que esta perda sirva para percebermos, de uma vez por todas, que quase tudo é incerto. Que a única garantia é que há um fim. E até lá? Até lá é viver sem reservas. Sem desperdiçar momentos. Sem perder oportunidades de dizer o que se sente. Sem hesitar em mostrar a importância que os outros têm para nós.
Só assim encontraremos consolo nestas horas. É que, apesar das saudades já se fazerem sentir, eu sei que o Abel partiu sabendo o que representava para mim. E isso conforta-me...
Palavras finais de alento e muita força à família e amigos que tiveram a mesma sorte que eu. Cruzar com gente assim é um privilégio.
Para ti, Abel? Um abraço. "Vamos falando".