A tempestade das eleições autárquicas já passou, e dela resultou que três câmaras municipais do país passaram a ser governadas pelo Partido Chega. São os três Salazares de Ventura. Não foram trinta, como previa o seu líder, foram apenas três. Confesso que pensei que a tempestade seria mais severa por todo o país. Infelizmente, os eleitores decidiram que uma dessas três câmaras seria na Madeira, entregue a este partido oportunista e populista.
O oportunismo é, aliás, por demais evidente. O Partido Chega goza atualmente de uma certa popularidade, atraindo para si políticos de todos os quadrantes, da esquerda à direita. Basta olhar para os seus eleitos, incluindo os de São Vicente: há de tudo um pouco. Muitos são ex-militantes dos partidos tradicionais que agora tanto criticam.
Há, no entanto, um aspeto positivo em tudo isto: pela primeira vez, o Chega passará a ter responsabilidades executivas em três câmaras municipais. Estas servirão de bitola para avaliar o que os seus militantes são, ou não são, capazes de fazer. E receio que iremos assistir mais à demonstração do que não conseguem fazer do que ao contrário.
Mas isto leva-me ao que está para vir. Infelizmente, considero que o país está de tal forma ludibriado pelo discurso populista do Chega que será necessária uma enorme persistência para contrariar esta onda crescente.
O populismo que proclama ser preciso “três Salazares para pôr isto na ordem” é, no mínimo, arrepiante. Chegar ao ponto de dizer tamanha barbaridade é alarmante. Acreditar que é pela repressão do povo que se coloca o país “na ordem”, que é silenciando a liberdade de expressão que se alcança progresso, ou que é subjugando o povo à miséria laboral e intelectual que se constrói um futuro, é profundamente perigoso. Como é possível ouvir tais palavras e não soar imediatamente um alerta? Como é possível acreditar, por um segundo que seja, que essa seria uma solução para Portugal?
Não são palavras vãs nem meras metáforas, o Partido Chega está a dizer, claramente, ao que vem. Se algum dia estes políticos chegarem ao poder, tudo o que agora afirmam, por mais absurdo que pareça, tornar-se-á legitimado pela vontade popular. E, quando o arrependimento chegar, já será tarde demais. A não ser, metaforicamente falando, com um novo 25 de Abril.
A entrevista que André Ventura deu à SIC Notícias é mais uma prova do que está por vir. Se fosse eleito Presidente da República, sobrepor-se-ia à justiça, não seria apenas o Presidente, mas algo mais. Quereria ultrapassar os limites constitucionais do cargo. Bastaria um “bufo” apontar o dedo a um responsável político para que, sem provas, houvesse condenação pública e demissão imediata. Só falta mesmo dizer que Portugal precisa também de “três PIDEs”, primeiro condena-se, depois fabricam-se as provas e cá vai disto.
Lamento profundamente este caminho. E lamento, sobretudo, ver tantos jovens a deixarem-se influenciar por esta nova, ou melhor, recauchutada forma de fazer política. Com enorme sucesso nas redes sociais, o que está na moda é enxovalhar o adversário, chamar “bandido” a todos, e apresentar-se como o putativo salvador da pátria.
Sim, há muito a melhorar. Mas o caminho não é este, o de vergar o povo português, o de dizer que está tudo mal para depois “renascer das cinzas”. Portugal tem, sem dúvida, muito a aperfeiçoar, na política, na justiça, na saúde, na educação, em tudo. Mas também enquanto sociedade, porque, se há quem seja explorado, é porque há quem queira explorar. E isso, convenhamos, não é apenas culpa da política.