Naquela ocasião - lembro-me perfeitamente - até as árvores me pareceram aterrorizadas e eu imaginei-as a desenterrar as raízes e a fugir desalmadas pela serra fora. Mas depois percebi que afinal toda a gente estava feliz, mesmo muito feliz. Todos sem exceção - os meus amigos, a velha a fumar, o cão atrás do disco, a miúda cheia de luz, as crianças a jogar à bola, o pai de pernas peludas, o gajo de manga cava, a mulher gorda a fazer o almoço. Todos estavam extremamente felizes, incluindo as árvores e o sol que nos iluminava. Todos, menos eu.
Um dos meus amigos compreendeu o meu desalento e disse:
- Seja qual for a tua escolha, a solidão virá sempre ter contigo.
Ao que eu respondi:
- E se não vier, vou eu ter com ela.
Ainda hoje ando neste vaivém.
De vez em quando entro de propósito no labirinto só para testar a minha capacidade de resistência e orientação; outras vezes é o labirinto que entra em mim para me desafiar e pôr à prova. O jogo da solidão começou bem cedo no tempo da minha existência, ali no princípio da adolescência, e continua ativo. As regras são fáceis, facílimas.
Quando todos vão para um lado, sei lá para onde, eu decido sem saber porquê remar e rumar à força para outro lado, ou então baixo os braços e sigo a corrente contrariado, para depois naufragar no meio da multidão, como aconteceu no acampamento, suspirando atormentado e sem alento:
- O que faço eu aqui?!
Tantas vezes, porém, o que mais quero é estar integrado nalguma coisa, mas essa coisa rejeita-me misteriosamente. Por exemplo: Um dia, na escola, estava sentado num banco do pátio a conversar com um colega. O banco tinha três ou quatro metros de comprimento e ficava entre duas colunas. O colega estava encostado numa coluna e eu ao seu lado. Entretanto chegou outro colega que se pôs diante de nós, em pé, a falar muito bem-disposto. A certa altura, disse para me afastar e sentou-se no meio. Ficámos os três em alegre cavaqueira e depois apareceu outro colega. Este também permaneceu um instante em pé e a seguir virou-se para mim e disse:
- Chega-te um nadinha para lá.
E sentou-se.
A cena repetiu-se, sempre com o mesmo resultado, à medida que chegavam mais colegas, até que eu fiquei encostado à coluna do lado oposto, sozinho, em silêncio, ouvindo a prosa e as gargalhadas dos outros como se não fizesse parte do grupo.
É como digo:
- O que faço eu aqui?!
Já dei uma volta ao mundo. Vivi, desisti, insisti. Continuo a viver, a desistir, a insistir, sempre com a mesma intensidade. Todavia não sei quem tem mais pontos, nem faço a mais pálida ideia de quem vai ganhar o campeonato da solidão. Eu ou as circunstâncias? Sei lá. De resto, como em qualquer jogo, também neste a graça não está tanto no resultado final, mas na incerteza da aposta a cada jogada.