O mês de Dezembro na Madeira é muito mais que um mês, é um estado de espírito. É a Festa. Aquele momento único do ano em que a nossa ilha, já por si vibrante, ganha uma luz diferente, não apenas das iluminações do anfiteatro que encantam turistas e locais, mas da verdadeira luz humana. É a magia tangível na camaradagem que se reacende, nos reencontros com a família que regressa e nos brindes com os amigos de sempre.
É, sem dúvida, o momento em que o orgulho madeirense bate mais forte. Somos anfitriões exímios, mestres na arte de receber e celebrar. Mas é precisamente no auge desta celebração, quando as luzes brilham mais intensamente, que as sombras da nossa realidade social se tornam mais difíceis de ignorar por quem olha com atenção e consciência.
Enchemos o peito para dizer que somos, consecutivamente, o Melhor Destino Insular do Mundo. Celebramos os prémios do turismo, a inauguração de novos hotéis e a expansão de campos de golfe como se fossem troféus do nosso colectivo, mas fica a pergunta: de que nos servem os Óscares do turismo se, para quem cá vive 365 dias por ano, o cenário é cada vez mais agreste? A ilha que é um paraíso para quem a visita está a transformar-se num labirinto sem saída para quem a habita. O brilho dos prémios não aquece as casas que os madeirenses deixaram de conseguir comprar ou arrendar. A excelência hoteleira não resolve o desespero de quem aguarda, meses ou anos, por uma consulta de especialidade ou uma cirurgia, enquanto vê a sua qualidade de vida degradar-se numa lista de espera interminável.
Os dados são frios, mas a realidade é humana: vivemos, em média, dois anos a menos que os continentais. Um dado por si só que devia ser um escândalo regional. Devia ocupar o centro de todos os debates, muito acima das taxas de ocupação hoteleira. Dois anos de vida perdidos não são uma fatalidade geográfica, são o resultado de desigualdades estruturais, da ausência de prevenção e de um acesso à saúde que falha quando mais é preciso.
É aqui que reside a verdadeira lacuna da nossa governação. Continuamos a tratar a saúde como um compartimento estanque, centrado na doença e no hospital, quando a saúde constrói-se na comunidade. Precisamos duma estratégia centrada na Saúde em todas as Políticas. O que significa isto, na prática? Significa que não podemos decidir sobre habitação sem pensar na saúde mental e física das famílias. Que não podemos planear transportes ou urbanismo sem considerar a mobilidade ativa e a qualidade do ar. Que a economia não pode crescer à custa do bem-estar social. Uma política de habitação digna é uma política de saúde. Um ordenamento do território que previne o isolamento é uma política de saúde. Combater a pobreza é o mais eficaz dos medicamentos.
E porque não o fazem? A implementação de Saúde em todas as Políticas não é uma tarefa fácil. Não dá para fazer inaugurações, não faz manchetes imediatas nem é pomposa. Os seus resultados não se vêem num ciclo eleitoral de quatro anos; vêem-se numa geração que vive mais e melhor. Manifestam-se na redução da doença crónica, no envelhecimento ativo e, sim, na recuperação desses dois anos de esperança média de vida que nos estão a ser roubados.
A Madeira não pode ser apenas um cenário bonito para os outros verem. Tem de ser um lugar digno para vivermos. Neste Natal, enquanto celebramos a nossa tradição e abraçamos os nossos entes queridos, não deixemos que as luzes da Festa ofusquem a visão crítica. A verdadeira magia não está em sermos o melhor destino do mundo para férias, mas em transformarmo-nos no melhor lugar do mundo para nascer, crescer e envelhecer. Que em 2026 tenhamos a coragem de exigir menos betão e mais vida. Menos propaganda e mais saúde. Porque a Festa é maravilhosa, mas a vida acontece em todos os outros meses do ano.