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Artigo de Opinião

8/12/2025 07:30

Quando se olha para o mercado laboral português através dos olhos de quem nos avalia lá fora (OCDE, World Justice Project, Comissão Europeia) a imagem é invariável: um país que protege muito, executa pouco e decide devagar. Temos legislação densa, direitos robustos e uma retórica moderna, mas uma prática que é ineficiente e de baixa produtividade. Portugal surge como um sistema fortemente protetor do trabalhador e moderadamente hostil ao investimento, com despedimentos juridicamente possíveis, mas burocraticamente penosos, e contratações que exigem das empresas uma coragem quase franciscana num ambiente regulatório que muda ao sabor de cada ciclo político.

A duração média de litígios laborais destrói a previsibilidade empresarial e mina a confiança dos trabalhadores no sistema. A isto soma-se um Código do Trabalho que, sendo tecnicamente sólido, foi remendado tantas vezes que já parece um tapete persa: bonito à distância, intrincado demais quando se tenta caminhar por cima.

Mas o maior problema não está na lei, está na cultura. Portugal continua a viver preso a uma relação laboral de desconfiança mútua, onde o papel vale mais do que a prática, a litigância pesa mais do que a negociação e o medo do risco supera a ambição de inovar. Os países mais eficientes não são necessariamente os que têm leis mais leves, mas os que conseguem fazer a lei funcionar a favor da economia e das pessoas.

Os países que lideram os rankings — Dinamarca, Países Baixos, Suécia, Finlândia e Alemanha — mostram que a fórmula do sucesso não está na rigidez, mas na confiança: flexibilidade inteligente com proteção efetiva. A lei é clara, a execução é célere, o conflito é exceção. Ali, a confiança é cultural; cá, tentamos legislá-la. Portugal legisla como o Norte, executa como o Sul e discute reformas laborais como quem remenda um casaco que já não tem linha.

É neste cenário que o Governo apresenta o Anteprojeto de Reforma Laboral, um diploma ambicioso que pretende responder à Economia 4.0, à precariedade digital e à estagnação da contratação coletiva. O documento mexe em praticamente tudo: parentalidade, teletrabalho, plataformas digitais, transmissão de empresa, contratação coletiva, acidentes de trabalho, contraordenações e arbitragem. A intenção é atualizar o sistema, reforçar a negociação coletiva, combater zonas cinzentas da economia digital e alinhar o país com diretivas europeias que exigem maior proteção e maior transparência.

Em traços gerais, o projeto estrutura-se em cinco pilares. Primeiro, a regulação das plataformas digitais, criando presunções reforçadas de contrato de trabalho quando há controlo algorítmico ou limitações típicas de subordinação (Uber, Glovo e afins). Segundo, a reconfiguração da contratação coletiva, com vigência mínima obrigatória, sobrevigência limitada e caducidade acelerada, numa tentativa de revitalizar um sistema que há décadas vive entre convenções desatualizadas e bloqueios negociais. Terceiro, o reforço da parentalidade, com licenças que podem atingir 180 dias, 28 dias obrigatórios para o pai e regras mais justas em situações de prematuridade ou internamento. Quarto, um novo regime de teletrabalho, com compensações obrigatórias, regras de alternância entre remoto e presencial e novos deveres de informação e segurança. Por fim, alterações profundas em contratos, transmissão de empresa e despedimentos, onde se destaca o direito de oposição do trabalhador à transmissão e a obrigação de caução quando pede reintegração num despedimento ilícito.

No conjunto, a reforma tem méritos claros, mas também aumenta a complexidade de um sistema já densíssimo. Acrescenta custos, rigidez e mais obrigações formais, sobretudo para PME que já vivem sufocadas pela burocracia. Em contrapartida, distribui direitos de forma ampla e tenta modernizar áreas onde Portugal estava claramente atrasado. É, no fundo, um pacote que resolve problemas antigos, mas cria novos.

E é justamente aqui que entra o presente momento político: no dia 11 de dezembro, a UGT e a CGTP-IN realizam uma greve geral nacional, alegando que esta reforma desequilibra o sistema para o lado dos empregadores e fragiliza direitos adquiridos. Uma greve unificada das duas centrais não é apenas um protesto, é um alerta sísmico. Revela que esta reforma mexe nos alicerces do edifício laboral português e que o país está prestes a entrar num dos debates mais sensíveis da legislatura.

No meu próximo artigo, analisarei ponto por ponto as críticas feitas ao projeto, para distinguir o que tem fundamento, o que é exagero e o que não passa de ruído ideológico. Porque discutir o futuro do trabalho exige mais do que slogans: exige clareza, rigor e a coragem de enfrentar a realidade sem filtros.

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