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Artigo de Opinião

27/03/2022 08:00

Lá em casa, quando nos sentamos em frente à televisão, no final de cada dia, seleccionamos o Canal Memória, pesquisamos "All in the Family" e passamos mais de uma hora na companhia da família Bunker. Faz-nos sempre rir muito, mas também nos faz pensar e, não raras vezes, chega a comover-nos (no meu caso até às lágrimas - sou um inveterado chorão). Nos últimos dois anos, tem sido (quase sempre) assim: as séries e/ou filmes vão variando, mas o humor está sempre por perto.

Quando os telejornais começaram a dedicar horas intermináveis à COVID-19, explorando até ao tutano cada um dos possíveis ângulos da pandemia, com especial enfoque nos dramas e tragédias, decidimos que aquela sobredosagem esmagadora de pirotecnia informativa era inútil e perniciosa. A partir daí, só muito pontualmente assistimos a notícias em formato televisivo, mas temo-nos divertido imenso a rever clássicos do humor. Agora que a "Guerra da Ucrânia" está a dar na televisão, não há melhor bálsamo para as agruras da vida que umas boas gargalhadas à conta do Archie, da Edith, da Gloria e do Michael "Meathead" Stivic.

Dirão alguns, indignados, que o que escrevi acima é ofensivo para com as vítimas da guerra e revela insensibilidade perante o seu sofrimento, fazendo de mim, no limite, mais um vil defensor do Vladimir. Nada mais errado.

Qual a necessidade de televisionarmos imagens brutais, violentas e chocantes? Os cadáveres das crianças e o choro das mães, o desespero de quem tudo perdeu, os prédios esventrados, os comentadores que preconizam alternadamente a paz iminente e o cataclismo nuclear inevitável… durante horas a fio, a esmagar-nos e a fazer-nos sofrer, em solidariedade com o sofrimento alheio. Informação é isto? Não me parece. Prescindo da orgia mediática. Prefiro escolher as minhas fontes de informação de forma criteriosa, privilegiando as que ma transmitem de forma objectiva e o mais isenta possível. Sei que a palavra "isenta" faz arrepiar os novos donos da moral pública, segundo os quais só há espaço e lugar para um tipo de narrativa: os bons e os maus, o vilão e o herói, o invasor e o invadido, o agressor e o agredido, etc. Quanto a isso, tenho muitas certezas indubitáveis: Putin é um louco perigoso; esta guerra foi causada por uma invasão a todos os títulos condenável; as posições russas ou pró-russas são indefensáveis e incompreensíveis; a Ucrânia é um país soberano, que não carece de uma desnazificação e cuja população e dirigentes têm o direito a escolher a que "clubes" pertencem. O "lado" não é, nem poderia ser, difícil de escolher: o do mais fraco, o do injustamente agredido, o da democracia (mesmo que imperfeita), o do primado dos direitos humanos, da lei e da justiça.

Só que quero continuar a ter o direito à dúvida, à crítica, ao exercício do contraditório, à utilização do "mas" enquanto partícula legitimadora das minhas liberdades de expressão, opinião e pensamento. Quero poder discordar, por exemplo, de algumas formas de cancelamento cultural; ou poder opinar que o boicote informativo me parece errado; ou poder optar pelo humor enquanto catarse e ponto de fuga, em vez de prostrar-me, em depressiva genuflexão, perante o incomensurável peso do sofrimento alheio, servido à hora do jantar em nome do santo "share" e das sagradas audiências.

Curiosamente, Zelensky, o comediante que se tornou presidente, tinha tudo para ser o palhaço desta história: um homem que fez de D’Artagnan num musical, rodeado de sensuais mosqueteiras, que ganhou a versão ucraniana do "Dançando com as Estrelas", que protagonizou uma série de sucesso, na qual encarnava um professor que chegava a Presidente a Ucrânia; que criou e se tornou líder de um partido, adoptando como denominação o título da série, um muito foleiro "Servos do Povo"; que se tornou Presidente da Ucrânia, rodeado de pessoas sem experiência política e um programa que, noutras latitudes e com outros protagonistas, seria rotulado de populista. Um homem que, perante a adversidade, se revelou enorme na coragem e no carácter, mostrando-se disposto ao sacrifício supremo de morrer a lutar, ao lado do seu povo. Enfrenta a ameaça de uma morte trágica, mas nunca abandona a veia humorística: "Eu preciso de munições… não de boleia". A guerra não é uma piada, mas, na Ucrânia, o humor tem sido um símbolo de resiliência e resistência.

Quanto a Putin, apesar do ar sinistro e do percurso manchado de crime e sangue, parece-se cada vez mais com os vilões de Bond, os Blofeld de ego gigantesco e ambição desmedida, génios do mal apostados em "rul ze vorld" ("rule the world", com pronúncia russa). Como toda a gente sabe, o Mau perde sempre, no final do filme. Esperemos que se cumpra a regra cinematográfica.

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