Discussões e posições à parte, é consensual a ideia de que nenhuma tecnologia substitui a escola, tal como a conhecemos. Escola é presença, é interação in loco, é afeto, é relação presencial. Partindo desta constatação, parece-me sensato e honesto olhar para a EàD como uma forma de mitigar o impacto do encerramento das escolas. Sobrevalorizar esta modalidade, como se ela fosse o "último grito" da inovação educativa, é tão desonesto como desvalorizar o esforço que as escolas, os professores, os alunos e as famílias têm feito para dar a continuidade possível à atividade pedagógica.
Não me vou debruçar aqui sobre as condições em termos de desigualdade de recursos, desigualdade sociocultural, desigualdade na própria estrutura orgânica da família (com impacto na mediação escolar), que caraterizam o universo dos nossos alunos e que influenciam a qualidade das aprendizagens e o sucesso educativo. Se essas desigualdades já são difíceis de debelar em modo presencial, em contexto de EàD tendem a agravar-se. As desigualdades sociais são um problema estrutural do país que se reflete, inevitavelmente, na instituição escolar. O combate a essas desigualdades deve ser um desígnio nacional e a escola tem aqui um papel de extrema importância.
Voltando à EàD, dizia-me uma colega do 1º CEB há uns dias atrás: "se em modo presencial é difícil cumprir o programa, com o EàD é completamente impossível." Compreendendo a preocupação da colega, que é, aliás, a preocupação da maioria dos docentes, dei comigo a pensar na verdadeira missão da escola.
Dos múltiplos referenciais teóricos que me inspiraram ao longo do meu percurso académico e profissional, destaco o relatório coordenado e elaborado por Jacques Delors para a UNESCO (da Comissão Internacional sobre Educação para o Séc. XXI), subordinado ao tema "Educação, um Tesouro a Descobrir", no qual o autor enuncia, como grande desafio do século XXI, quatro pilares fundamentais para a Educação: 1. aprender a conhecer, 2. aprender a fazer, 3. aprender a conviver e 4. aprender a ser. Descurar algum destes pilares é descurar uma parte importante da formação integral dos alunos. Infelizmente, a evidência empírica mostra-nos que, quer os currículos (extremamente exaustivos e, por vezes, inadequados à faixa etária dos alunos), quer a forma como as instituições educativas estão organizadas, não permitem desenvolver, na proporção desejável, os dois últimos pilares. E é por isso que é necessário resgatar o espaço (e o tempo) da dimensão humana na Educação, como condição fundamental para o exercício pleno da cidadania e da vida em comum. Neste contexto, e com todos os constrangimentos que se interpõem à EàD, é importante compreender duas coisas fundamentais:
1º A escola (enquanto comunidade) não se resume apenas aos conteúdos curriculares. Considerar que, na escola, só se aprende o currículo formal, é desconhecer totalmente o que é uma escola. A escola é um lugar de pertença, "lugar de vários mundos" como refere Santos Guerra. Nela os alunos aprendem a conviver, a respeitar as diferenças, a lidar com as frustrações, a enfrentar desafios, a superar etapas, em suma, a conviver e a ser. Este currículo oculto (que se aprende sem se ensinar) é, a par do currículo formal, fundamental para a formação integral dos nossos alunos.
2º Distanciamento físico não significa distanciamento social. Nada substitui o abraço, o olhar diretamente nos olhos, as interações e relações pessoais. Mas, na impossibilidade de contacto físico, a EàD é a única forma de manter essa proximidade social entre alunos, professores e famílias, entre "os vários mundos" que caraterizam a diversidade humana que habita a escola.
Orgulhemo-nos do esforço que os docentes, alunos e famílias têm feito para colmatar o distanciamento físico até que o reencontro, dentro dos portões da escola, seja possível.