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Artigo de Opinião

3/03/2025 08:00

Durante as últimas décadas do século XX e o início do século XXI, a radicalização de indivíduos para a prática de atos terroristas seguiu um padrão bem definido. O recrutamento de extremistas era feito através de madrassas fundamentalistas, pregações inflamadas em mesquitas específicas e campos de treino que ensinavam táticas de guerrilha e doutrinação ideológica. Os jovens, muitas vezes vulneráveis social e economicamente, eram isolados e expostos continuamente a discursos que reforçavam uma visão maniqueísta do mundo: “nós contra eles”, “o Ocidente contra o Islão”, “a luta justa contra os opressores”.

A lavagem cerebral era conduzida de forma metódica, removendo qualquer possibilidade de debate ou exposição a diferentes perspetivas. A história era reescrita, os factos manipulados, e qualquer tentativa de questionamento era reprimida. O resultado foi uma geração de indivíduos dispostos a sacrificar as próprias vidas em nome de uma causa que acreditavam ser maior do que eles. Os ataques de 11 de setembro de 2001, os atentados em Madrid (2004) e Londres (2005) foram frutos diretos desse processo.

O que antes levava anos e exigia estruturas físicas para a doutrinação, hoje acontece de forma instantânea através das redes sociais. Se no passado os extremistas tinham de ser fisicamente retirados da sociedade e submetidos a treinamentos ideológicos, hoje basta um algoritmo.

As redes sociais operam através de mecanismos que maximizam o engajamento, e uma das formas mais eficazes de manter a atenção de um utilizador é através do conflito e da polarização. Assim, os algoritmos direcionam os utilizadores para conteúdos que reforçam as suas crenças e aumentam a sua indignação, isolando-os em bolhas ideológicas. O debate saudável desaparece, substituído por um ciclo vicioso de reafirmação de crenças.

Se, nos anos 80 e 90, um jovem radicalizado acreditava que o “inimigo” eram os países ocidentais, hoje qualquer utilizador pode ser levado a acreditar que o “inimigo” é quem pensa diferente. Políticos, jornalistas, cientistas ou até vizinhos tornam-se ameaças. A desinformação espalha-se sem filtros, teorias da conspiração são reforçadas e qualquer tentativa de contrariá-las é vista como parte de um plano de manipulação global.

As consequências já são visíveis: ascensão de movimentos populistas, erosão da confiança nas instituições democráticas, ataques físicos a opositores políticos, e até tentativas de golpes de Estado, como os ataques ao Capitólio nos EUA (2021) e às sedes dos Três Poderes no Brasil (2023). Na Europa, partidos de extrema-direita, como a AfD na Alemanha, a Frente Nacional em França e o Vox em Espanha, têm crescido significativamente, promovendo discursos de divisão e ódio. Em Portugal, o crescimento do Chega segue o mesmo padrão, baseando-se na demagogia e na exploração do medo e do ressentimento.

A discussão política transformou-se num campo de batalha onde o diálogo foi substituído pelo insulto. A paciência para ouvir opiniões divergentes desapareceu, e as redes sociais tornaram-se arenas onde qualquer desacordo se torna rapidamente numa troca de ataques pessoais. A polarização extrema alimenta um ciclo de indignação e raiva que apenas beneficia aqueles que lucram com o caos. Assim como no terrorismo clássico, a radicalização leva à ação, e cada vez mais pessoas sentem-se justificadas para agredir verbalmente e fisicamente aqueles que percebem como inimigos.

Se antes o terrorismo físico era uma ameaça evidente, hoje vivemos uma era de “terrorismo de opinião”. As redes sociais transformaram milhões de pessoas em agentes de uma guerra ideológica global, condicionando governantes, governos e decisões políticas. Donald Trump exemplificou esse fenómeno nos EUA, utilizando as redes para disseminar desinformação e questionar processos eleitorais legítimos, incentivando a radicalização de milhões de pessoas. Governantes receiam agir contra os desejos de multidões enfurecidas online, empresas são canceladas, políticas públicas são moldadas pela histeria digital e a moderação de discurso desaparece.

Estamos todos a ser transformados, rapidamente, em soldados de uma guerra que nem percebemos estar a lutar. A cada comentário extremado, a cada “fake news” partilhada sem verificação, a cada insulto gratuito, tornamo-nos peças num jogo maior de manipulação e caos. Se não reconhecermos o perigo desse novo condicionamento, podemos estar a pavimentar o caminho para uma sociedade onde a radicalização digital se traduzirá, inevitavelmente, em conflitos reais ainda mais destrutivos do que aqueles que marcaram o passado recente.

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