MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Gestora de Projetos Comunitários

15/11/2025 08:00

O anúncio do novo Quadro Financeiro Plurianual (QFP) da União Europeia – que prevê para Portugal cerca de 33,5 mil milhões de euros até 2034 – reacendeu um debate antigo, mas sempre atual: a relação entre a Europa, a Autonomia e a eficácia da Política de Coesão.

Quando se olha para a forma como as Regiões Ultraperiféricas são integradas no processo de decisão da alocação dos fundos europeus, percebemos facilmente que há compromissos que continuam por cumprir. A centralização dos fundos europeus não é uma ameaça futura, é já uma realidade consolidada, onde o modelo europeu de governação multinível continua a ser predominantemente vertical – top-down – e apenas parcialmente bottom-up.

O Acordo de Parceria para Portugal, documento matriz da programação financeira de execução dos fundos alocados ao país, desenha uma arquitetura institucional fortemente hierarquizada, na qual as Regiões Autónomas têm voz, mas parecem ter pouco poder.

O que se projeta para o futuro é um modelo mais integrado: a UE definirá as prioridades; cada EM elaborará um Plano de Parceria Nacional e Regional (PPNR) conjunto; e, ao que parece, só depois as Regiões serão chamadas a adaptar-se. Ou seja, os atuais programas operacionais de âmbito territorial (Açores, Alentejo, Norte, Madeira, etc.) darão lugar a um único PPNR.

A expressão “coordenação reforçada” soa elegante, mas, na prática, pode traduzir-se no desrespeito pelo Princípio da Subsidiariedade e, em última linha, do art.º 349 do TFUE.

Resta saber quem negociará as prioridades regionais no todo nacional. Serão as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR)? Podemos aceitar que as CCDR’s estejam em pé de igualdade com as Regiões Autónomas, que têm órgãos de governo próprio? Só o facto de existirem diferentes níveis de governação revela a complexidade – e a potencial assimetria – do processo de negociação do próximo QFP. Embora estas mudanças no ecossistema europeu dos fundos ainda não estejam aprovadas, a tendência é clara.

A Autonomia não pode existir apenas para justificar grupos de trabalho ou protelar decisões que a República não quer tomar; existe para garantir que as políticas públicas refletem a diversidade dos territórios – tal como a Política de Coesão visa combater as assimetrias no desenvolvimento regional em contexto europeu.

Na prática, o modelo dos PPNR’s parece assemelhar-se a uma delegação tutelada: as Regiões Autónomas gerem os fundos, mas dentro de parâmetros definidos por instâncias superiores – algo que, de certo modo, já acontece com o Acordo de Parceria. O busílis da questão é outro: a nova proposta da Comissão Europeia junta áreas como a saúde a agricultura no Fundo de Competitividade, priorizando uma visão de mercado e de produção sobre a dimensão social, pública e territorial.

A Lei de Bases da Saúde consagra o direito à proteção da saúde – um bem público. Mas será que esse direito resiste à lógica de mercado prevista no Fundo de Competitividade? Subordinar as políticas de saúde a critérios de competitividade e eficiência produtiva põe em risco os princípios da universalidade e gratuitidade que fundaram o Serviço Nacional de Saúde.

Este desvio conceptual é político e ético, não apenas técnico. Ao priorizar a segurança e a competitividade, esquece-se a premissa humanista do projeto europeu – o sonho de uma Europa solidária, justa e unida na diversidade.

Não se trata de recusar a Europa, pelo contrário. Trata-se de reivindicar uma Europa fiel às suas origens. Se quisermos honrar o sonho europeu, é preciso fazer dos fundos europeus um instrumento de progresso que respeite a autonomia e valorize os territórios; que mantenha viva a ideia de que a política existe, antes de tudo, para servir os cidadãos.

OPINIÃO EM DESTAQUE

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Como avalia o desempenho das autoridades no combate ao tráfico de droga?

Enviar Resultados
RJM PODCASTS

Mais Lidas

Últimas