O 25 de Novembro de 1975 simboliza a recuperação do espírito do 25 de Abril de 1974 depois do choque acumulado entre visões irreconciliáveis para o país. De um lado, os que queriam uma sociedade de inspiração marxista-leninista; do outro lado, os que queriam um futuro democrático, o desejo da maioria da população.
Desde a revolução de Abril que o país vivia em ebulição política, social e económica. O colapso do Estado Novo trouxera mudanças profundas, incluindo o fim da guerra colonial, a descolonização, o calor da liberdade e debates intensos sobre que caminho seguir. Este período ficou conhecido como PREC – Processo Revolucionário em Curso e foi marcado pelas diferenças ideológicas entre os moderados e os radicais.
A tensão acumulou-se ao longo do ano de 1975, um ano pródigo em nacionalizações, ocupações e greves gerais, acentuando as divergências dentro do Movimento das Forças Armadas. A crise agudiza-se com o golpe falhado do 11 de Março patrocinado por spinolistas, cujo resultado é uma viragem do Movimento ainda mais à esquerda e a criação do Conselho da Revolução. As nacionalizações disparam e com elas a fuga de pessoas, bens e capitais, o que acelera a crise social e económica.
Entretanto, realizam-se as primeiras eleições por sufrágio universal, precisamente um ano depois do 25 de abril, as eleições para a Assembleia Constituinte. Tudo corre bem: a adesão e o civismo são exemplares, vence o Partido Socialista, o PPD fica em segundo, os comunistas em terceiro.
Mas a Reforma Agrária, lançada por Vasco Gonçalves em julho de 1975, traz para o tabuleiro actores umbilicalmente ligados ao Partido Comunista e outros grupelhos da extrema-esquerda. Surgem manifestações, greves, assaltos a sedes partidárias e centenas de comissões de trabalhadores que querem controlar as empresas num devaneio revolucionário que assusta muita gente. O PREC estava no auge, o país à beira da guerra civil. Não se disfarça o ataque à propriedade privada, à liberdade individual e à autoridade do Estado. Vive-se o Verão Quente e Costa Gomes é obrigado a nomear outro Governo Provisório com um único objectivo: conciliar o impossível, conciliar o Movimento das Forças Armadas, o PCP, o PS e o PPD.
A crise atinge o cume a 25 de Novembro quando um grupo de militares, onde se incluíam tropas paraquedistas ligadas à extrema-esquerda, tentou controlar unidades militares estratégicas leais às forças moderadas. A intentona foi rapidamente anulada pelos militares chefiados por Ramalho Eanes que neutralizam a revolta. O golpe falha, a insurreição morre, a ordem é restabelecida. Incrivelmente, evita-se um banho de sangue ou coisa pior.
A intervenção dos moderados acabou por afastar o perigo de deriva autoritária e por revelar o papel de Eanes, Soares e Sá Carneiro na estabilização que o país almejava. O 25 de Novembro é, portanto, o momento que recoloca o país nos objectivos originais do 25 de Abril, marcando o ocaso do PREC e de um certo frenesim totalitário.
O 25 de Novembro não pode ser explicado sem a importância decisiva do 25 de Abril porque ambos representam a via da transição democrática que o país percorreu. O primeiro é o impulso que liberta o país de um regime podre; o segundo é a epifania que vai proteger e consolidar o sistema democrático português iniciado com o 25 de Abril.
Estava aberto o caminho para a Constituição de 1976 e para a consagração das Autonomias. Para os madeirenses, esta conquista foi o oxigénio de que necessitavam para crescerem e se desenvolverem, para se emanciparem, para transformarem as ilhas numa verdadeira casa. E foi isso que fizeram.
Com coragem, sacrifício e trabalho, os ilhéus erigiram uma obra notável, liderados pelos governos autonomistas e sociais-democratas, fazendo dos seus herdeiros parte orgulhosa desta construção. Outros insistem na menorização: lançar pedra no que foi feito, fingir que nada aqui aconteceu, apagar décadas de progresso. Pior, julgam que diminuem porque uma ou outra coisa correu menos bem, entre milhares que mudaram a face, o destino, as vidas. Estão iludidos se descortinam futuro nessa esparrela; estão equivocados se calculam que extinguem o que a exploração de séculos negou; estão enganados se pensam haver uma ponta de arrependimento.
A caminho dos primeiros 50 anos, a obra autonómica não terminou. Nem vai terminar. Custe o que custar. Doa a quem doer.