Cocaína, ácidos, cogumelos, ecstasy e haxixe, tudo passou a ter substitutos legais praticamente idênticos, com compostos quimicamente similares, tornando redundante a proibição das substâncias originais. Estas NSP também ganharam notoriedade pela forma como chegam aos consumidores. O que as distingue de outros fenómenos anteriores é a grande diversificação e potência psicoativa das substâncias comercializadas, bem como a sua promoção, distribuição e venda em lojas especializadas (as smartshops) ou em sítios da Internet.
As drogas legais chegaram à Madeira, de forma mais assumida, em dezembro de 2008, quando abriu a primeira smartshop no Funchal, que se chamava "Pakside", localizada em frente ao então Centro Comercial Dolce Vita (o atual La Vie). Esta loja abriu caminho a outras do género, que comercializavam produtos desta natureza na Região, como a "Flowerdyssey" ou a "Paradise Smartshop". Nestas lojas, como seria de esperar, foram detetadas NSP nos mais diversos tipos de produtos, facilmente disponibilizados aos consumidores, desde suplementos alimentares a fertilizantes.
Substâncias tão ou mais potentes que as drogas tradicionais, como a Salvinorina A e a Salvia Divinorum, circulavam livremente na Região e o seu uso causava efeitos alucinogénios que podiam resultar em episódios psicóticos, delírios e alucinações visuais e auditivas. Rezam as crónicas que produziam, entre outras, sensações de abandono do corpo, de transformação num objeto, de estar a viajar no tempo, de estar em vários sítios ao mesmo tempo ou de riso incontrolável.
Esta atividade, conforme dados oficiais do SESARAM, levou em 2012 que a Madeira registasse 4 mortes associadas ao consumo destas drogas legais e mais de 170 pessoas com surtos psicóticos registados, a maior parte destes casos devido ao ínfame bloom (mefedrona/"miau-miau"), a NSP que mais circulava na Região. Com o condão de causar danos permanentes aos seus consumidores e, como todas as drogas, romper e destruir famílias.
Na impossibilidade de agir do ponto de vista criminal, foi sempre procurado pelas autoridades, de alguma forma, procurar retirar estes produtos do mercado mesmo que fosse por razões técnico-formais, sendo, porém, uma intervenção limitada e sanável pelo operador económico. Mas era preciso algo mais. É a Madeira que dá um passo decisivo nesta matéria. Através do Decreto Legislativo Regional n.º 28/2012/M, publicado em 25 de outubro (e que mais tarde foi ‘adaptado’ a nível nacional), foi determinada a extinção das smartshops, sendo instituido um regime contraordenacional para as novas drogas não integradas no Decreto Lei n.º 15/93, vulgo Lei das Drogas.
Este diploma, negociado em tempo recorde no parlamento regional e que teve o condão de unir os grupos parlamentares sobre esta matéria, tornou a Região pioneira no país na proibição da existência das smartshops e os resultados foram imediatos. Logo na sua primeira semana de vigência este diploma levou ao encerramento da maioria das smartshops que vendiam estas substâncias psicoactivas.
É evidente que, mesmo após a extinção das smartshops, estas substâncias continuam a circular, em parte nos circuitos ilícitos a par das cocaínas ou heroínas, em parte através do mercado que se faz na internet. E na internet qualquer um pode encomendar, através de sites nacionais e internacionais, com as embalagens a chegarem discretamente e rapidamente por correio. E atendendo a que estas drogas são essencialmente sintéticas e de grande potência, são muito baratas e de fácil distribuição e, acima de tudo, não trazem consequências criminais para aqueles que dela fazem negócio, o seu consumo tem vindo a subir, potenciado na Região pelos dois anos de pandemia e limitação na circulação das drogas tradicionais. E olhando para os atuais números na nossa terra, com mais de 150 pessoas permanentemente internadas decorrentes do abuso destas substâncias, para além dos casos de vandalismo, mendicidade e surtos psicóticos que têm sido públicos, percebemos que é necessário uma nova luz sobre este assunto.
Desde logo porque é importante, de uma vez por todas, considerar todas estas substâncias como drogas. E assim agilizar e acelerar o processo de criminalização da sua produção e comercialização e eventualmente prever um novo regime punitivo, específico para estas substâncias, à parte da lei das drogas. Mas estas são todas decisões que terão de emanar da Assembleia da República. E para convencer a comunicação social do continente e criar pressão sobre os políticos, toda a ajuda é pouca e é necessário que a população em geral se consciencialize para esta problemática e que comece a intervir e a fazer peso sobre o legislador nacional. Projetos que visem estas ‘drogas legais’, dirigidos às crianças e adolescentes, projetos como o "Joga Limpo Joga Sem Vícios" recentemente lançado pelo Clube Desportivo Barreirense, tornam-se imperativos para impedir que estas drogas sejam introduzidas nas escolas e que se perca inteiras gerações para este flagelo.
Luís Miguel Rosa escreve
ao domingo, de 2 em 2 semanas