Estes, sim, que são outros carnavais: sem plumas, sem cortejos, sem assaltos e sem bailes. Este ano, vamos ouvir a respiração do vazio. Este ano será assim. E este assim será da forma como escutarmos o silêncio e como desejarmos o futuro. É que, apesar de tudo, não podemos deixar de desejar (o que seria o homem sem desejo?) que a esperança regresse, que o futuro se desenhe, que a cidade se acenda de festa.
Em outros carnavais, desfilámos na avenida, abrasileirámos as cantigas, disfarçámo-nos de outra gente e vivemos o presente desses dias, porque, como dizia o povo, "a vida são dois dias e o carnaval, três". Este ano, não. Suspendemos os festejos porque temos saudades de ser livres e de nos beijar e abraçar sem medo do mal.
Escutar a respiração do vazio torna-se, então, no carnaval deste ano, um exercício necessário de resistência. A gestão do vazio foi uma aprendizagem que a humanidade teve de fazer. Compulsivamente. E o carnaval deste ano (calado, o carnaval deste ano!) pode servir para isso. Também para isso.
Os sonhos e as malassadas que - eu sei - vamos fazer hão de manter acesa a vontade de termos a casa cheia de gente e de fazermos, como noutros tempos, na minha rua velha, céus de serpentinas que uniam as casas umas às outras. Talvez para o ano. Se Deus quiser, para o ano.
Na rádio, Vinicius canta a «Marcha da Quarta-feira de cinzas»: que é preciso cantar e alegrar a cidade, porque há tantas coisas azuis, tanto amor para dar e que "a tristeza que a gente tem qualquer dia vai-se acabar". E eu acredito.
Este é o ano do ensaio. Acertamos o passo com o vazio, aprendemos a respirar o silêncio e preparamo-nos, guardados nos nossos santuários, para voltar para a praça com o povo que (palavra de Vinicius de Moraes) "se beija e se abraça e sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor".