Pequenas, vocês que me “acredite” que se meu pai fosse vivo, já me tinha prometido um relampão ou minha mãe já me tinha largado um carrolaço, que ela cá não se punha com políticas, por causa destas coisas que eu escrevo e que ainda por cima saem no Jornal. Mas o que se me hão de fazer, se eu gosto tanto destas tontices como adoro chocolate? São coisas...
Tenho de me aviar com isto, porque esta crónica vai sair no dia 14 de dezembro e daqui até lá vai ser uma estrefega para mim com tanto para fazer. Não vou entrar em miudezas sobre isso, que não importam a ninguém, mas devo dizer que 14 de dezembro é sempre um dia muito importante, pois seria o aniversário de meu pai e também o de outras pessoas, claro, de quem não tenho o direito de falar, porque isto agora com o RGPD, qualquer dia não sei como isto vai ser, nem percebo, nem quero perceber, mas ainda posso passar mal. É tudo tão diferente, que não faz sentido para mim. Então, na escola, ensinamos as crianças a serem empáticas, a se porem no lugar dos outros, motivamo-las a derrubarem muros de silêncio e de (in)diferenças e depois qualquer coisa é invasão da privacidade, é bullying, mas, coisa tonta, quando os crianços nascem é os papás a pô-los no Facebook empinados, a rir com a lua, a chorar, e mais isto e mais aquilo, o “meu príncipe”, “a minha princesa” e aí não há RGPD e lá vão eles crescendo a infernizar a vida da gente e só depois percebem, grande ilusão, que não são príncipes nem princesas, porque os papás não são reis.
14 do 12 era o dia de meu pai e não me lembro de minha mãe lhe preparar nada de especial. Um dia até foi milho cozido para o jantar e meu pai ficou triste com o menu. Minha mãe não deu parte de fraca e procedeu à moda de uma deslabarosa distraída. Meu pai de beiças à mesa. Eu percebi e também por solidariedade para com o aniversariante, apesar de não dizer nada, estive sentida e triste. Só minha mãe fazia modilhos e apertava o riso. Ora a pretensão do homem! Uma pessoa com tanta coisa que fazer e agora vai lá ligar a baboseiras! Cá nada!
E há tanto que uma pessoa podia contar, mas com esta coisa do RGPD até tenho medo. Mas vou contar algumas coisinhas soltas a vocês sobre o protagonista desta história. A primeira de que me lembro é de quando tirei a carta de condução. Perdi a primeira vez e queria desistir de tudo, meu pai que não, “o pai vai-te pagar o exame e tu vais passar e se não passares, vai haver uma vez que vais passar, que diabo!, tu não és burra nenhuma!” e mais daqui e mais dali e ele sem mais saber como me convencer, disse assim: “Olha, tu acredita o pai, que tu ainda vais conduzir e quando for para entrares no carro vai ser como quem vai à retrete!” Credo! O que acham vocês desta? Era para eu ganhar esperança ou desconfiança? Outra situação era que quando eu ia à cidade numa volta mais meu pai, ele dizia-me assim: “Tu demoras-te muito, conheces meio mundo e o outro meio conhece-te, falas com toda a gente e a gente nunca mais se avia!” Verdade, “saio ao pai”, que segundo a tia H., se sentava e ficava com o cu pregado na banca e nunca mais caminhava, sempre a conversar, a conversar. A este propósito ouvi, uma ocasião, há dias, uma jovem dizer a outra que há estudos que provam que as pessoas mais felizes são aquelas que são capazes de meter conversa com desconhecidos. Vocês concordam? Nestas idas à cidade, nunca percebi bem o porquê - se meu pai conhecia bem as regras de trânsito e se saía da oficina experimentar carros - de ele passar no vermelho para os peões e eu atrás “pai, está vermelho, não atravesse” e ele “Eu sou um sujeito velho, os veículos estão a ver. Eles têm de parar.” Quantas vezes os velhos fazem isto?
E quantas vezes na nossa casa meu pai se esqueceu do aniversário de alguém? Nenhuma! Havia sempre um bolo das Minas Gerais ou da Pastelaria Lua e laranjada para festejar. Apetece a dizer: Parabéns, nosso velhinho lindo!
Sílvia Mata escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas.