Num momento em que a Comissão Europeia se prepara para renovar a Estratégia para as Regiões Ultraperiféricas e avançar com um pacote de simplificação regulamentar, impõe-se uma reflexão que vá além do tecnicismo burocrático. Isto porque não estamos perante meros ajustamentos administrativos; discutimos, no fundo, que Europa queremos construir nas suas margens mais distantes e, paradoxalmente, mais estruturantes.
Veja-se o caso da saúde. A saúde, tantas vezes tratada como capítulo setorial é, para territórios como a Madeira, muito mais do que isso: é uma política pública estratégica, um elemento de soberania sanitária, um motor de coesão. Sem um sistema de saúde resiliente, capaz de responder aos custos permanentes da ultraperiferia, não há competitividade económica duradoura, nem bem-estar social digno desse nome.
A União Europeia não pode continuar a olhar para estes territórios apenas como beneficiários de compensações; deve vê-los como parceiros que asseguram, em condições difíceis, a presença europeia em espaços geoestratégicos decisivos.
A anunciada simplificação regulamentar será um teste à maturidade e robustez do projeto europeu. Simplificar não é retirar exigência, mas requer que se compreenda que regimes uniformes produzem desigualdade quando aplicados a realidades profundamente assimétricas. E esse é o maior desafio.
Para as RUP, simplificar tem de significar que as regras de elegibilidade estão ajustadas à sua escala, que existe maior flexibilidade em matéria de ajudas de Estado, que as aquisições de equipamentos essenciais não ficam à mercê da depreciação dos mesmos, quando se trata, por exemplo, de equipamentos hospitalares. Significa, sobretudo, aplicar de forma efetiva o artigo 349.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, tantas vezes citado e nem sempre verdadeiramente operacionalizado.
Há, depois, uma dimensão frequentemente esquecida: a capacidade administrativa. A União pode proclamar ambiciosas estratégias, mas sem dotar as regiões de meios para as concretizar, tudo se reduz a retórica. A Madeira, como as demais RUP, necessita de assistência técnica estável e especializada, capaz de apoiar reformas, investimentos e respostas inovadoras adequadas à nossa realidade.
As RUP não podem continuar em atitude permanente de periferia – são fronteiras ativas da Europa no mundo. A Madeira, com localização singular e geopoliticamente estratégica confere às RUP um papel de primeiro plano na vigilância epidemiológica, na investigação, na resposta a emergências e crises, mas também na cooperação com países vizinhos. Ignorar este valor estratégico seria um erro político de grande magnitude.
A nova estratégia europeia só cumprirá o seu propósito se introduzir, com rigor e determinação, um verdadeiro mecanismo de “RUP proofing”. Ou seja, cada política europeia deve, doravante, ser concebida à luz do impacto diferenciado que terá nestes territórios, com base nos resultados já existentes. E sempre que necessário, prever derrogações, adaptações ou procedimentos simplificados ad hoc. Não é uma questão de privilégio, é uma questão de justiça territorial, de eficiência administrativa e, sobretudo, de fidelidade aos princípios fundadores da União Europeia.
A Madeira e as restantes RUP não pedem exceções arbitrárias. Reclamam apenas que a Europa reconheça, de forma consequente, a sua realidade singular e estratégica. No domínio da saúde, essa responsabilidade coletiva torna-se ainda mais evidente.
A oportunidade está agora nas mãos dos Estados-Membros. Que dela façam um instrumento de progresso e não mais uma promessa adiada que pode comprometer o futuro da União, tal como a conhecemos.