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Artigo de Opinião

Professora Universitária

6/03/2023 06:03

Podia ter optado pelo coração, que é um órgão muscular forte, ou um rim. Talvez pudesse ter sido pior e por falta de imaginação tivesse escolhido o cóccix. Ou o cérebro. Nada contra o cérebro masculino, mas precisam de todo o que têm. Afinal, passaram séculos a pensar que o Clitoris era para aí um filósofo grego, amigo de Parménides ou de Demócrito. E se for homem e estiver a ler, não levante agora a sobrancelha, porque há muito que as mulheres vivem com as piadinhas de bar contadas sobre a sua parca inteligência, a distração crónica, a fraqueza desajeitada, a inferioridade não reconhecida. Uma brincadeira sobre o vosso cérebro não vos ofenderá, certamente.

É novamente Dia da Mulher no dia 8. A diferença salarial entre homens e mulheres tem vindo a descer em Portugal, mas ainda se encontra em 13,3% desfavorável às últimas. Corresponde a 48,54 dias de trabalho. É como se nesses dias elas não fizessem nada. Na indústria transformadora, nas artes e no desporto a diferença sobe e situa-se entre os 17% e 19%. Em outubro, em cada 10 trabalhadores do Estado, 6 eram mulheres, mas em cargos de liderança apenas 4. Na maior parte dos universos, na base da pirâmide estão as mulheres, no topo só 1 terço. Nas universidades, só 1 quarto chega ao topo da carreira. Se no grau C, de professores assistentes ou equivalente, há 49,41% de mulheres, só há 27,2% de professoras catedráticas. São umas preguiçosas. A maioria da população continua a ser discriminada e nem sequer é minoria.

Porquê uma diferença de 13,3%? Fazemos mal as contas? Escrevemos pior? E se a resposta é "sempre foi assim", então queremos uma diferença também no que compramos (vamos ao supermercado e temos 13,3% de desconto), se formos empregadas de bar a cada 10 cafés ou cerveja não servimos uma, durante 48,54 dias vamos para as Caraíbas (com desconto de 13%) e em vez de "Nove Semanas e Meia" a coisa faz-se por oito e com sorte.

Depois, há a questão do "não" feminino que não é igual ao "não" masculino. O "não" das mulheres é ainda entendido como "digo não, mas estou a dizer sim". E há o "sim" feminino que é "não", mas que tem de ser "sim" com medo de represálias, de denunciar o assédio e perder o emprego. Ainda há aquele "não" que é "estava mesmo a pedi-las, com aquele vestido, o decote, as gargalhadas, as piadas manhosas, as provocações, o álcool que bebia sem contenção". Porque é que um porco não é um porco e é a mulher que é vista como suja e sem direito ao "não"? E uma mulher não tem direito a dizer sim a 99% dos homens e dizer a 1% que não e ter o direito de ser ouvida?

30.389. Foram as queixas por violência doméstica em Portugal. Mais de 85% são mulheres. 28 vítimas mortais: 24 mulheres e 4 crianças. Muitas denúncias não têm seguimento e acabam com tentativas de homicídio e homicídios consumados. Dizemos às mulheres para denunciarem os companheiros violentos, mas o segundo passo deve ser o nosso, no sentido da proteção. Porque é que só depois da facada, do tiro, do ácido que destrói a face e a vida, pensamos que se calhar deveríamos ter falado do que se estava a passar na porta ao lado?

Aumenta a violência no namoro. Uma estalada, afinal, o que é? Um empurrão o que faz? Ou mensagens a todas as horas, espiar as redes sociais, saber o que se faz, com quem se está? É preciso dizer aos jovens que em nome do amor não se pode controlar, não se impede o outro de estar com os amigos, não se manda no que se publica, diz ou veste, não se exige obediência, não se critica o corpo ou o comportamento no sentido de humilhar. O amor não mete medo, não grita, não dá estaladas, não puxa cabelos, não dá pontapés, não espezinha, não manda calar, não quer que sejas bela só para uma pessoa.

Amar é ter respeito, esperar que ela seja bonita e inteligente por si e para si própria, é dar espaço e esperar que seja o ser mais feliz do mundo, contigo ou com outra pessoa. E pensar que ela trabalha e estuda 48,54 dias de forma grátis e que mesmo assim tem a capacidade de amar todos os dias do ano. Talvez tenha ficado com o melhor no negócio da costela.

Luísa Antunes escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas.

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