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Artigo de Opinião

Jornalista

21/12/2023 08:00

Por mais humilde que fosse uma família, o dia de festa era sempre um dia diferente e com algo especial.

Sempre havia, uma árvore enfeitada com amor e poucos recursos, algum alegra-campo, comida diferente, casa mais asseada e até presentes para os mais pequenos. Não havia presentes caros que pudessem encher a sala de cada família, mas sim a alegria genuína estampada sobretudo nos mais pequenos. No fundo, cada um vivia este momento de alegria em função das suas possibilidades. Uns com mais, outros com menos.

Na minha casa o dia começava bem cedo. Desde logo, com a ânsia, a minha e dos meus irmãos para sabermos o que nos reservava o sapatinho. Mal dormíamos para andarmos a rondar a lareira, à espreita do que pudesse calhar a cada um. Isso implicava acordar bem cedo ou até quase nem dormir, só de pensar no que nos reservava o menino Jesus.

Desvendado o mistério, a hora era de brincadeira pura. Cada um com o seu brinquedo, lá íamos nós, desfrutar daqueles momentos mágicos. A brincadeira só era interrompida com a voz dos pais a chamar, para tomarmos o pequeno-almoço. Um pequeno-almoço naturalmente especial. Nesse dia a carne de vinho-e-alhos era a ementa obrigatória. O pão, embebido no vapor da carne quando esta fervia ao lume, era um dos cheiros inconfundíveis do Natal. O pequeno-almoço, quase a meia manhã, era acompanhado com o obrigatório cacau quente, dando um toque especial à refeição.

Os adultos antes da refeição, comiam uns gomos de laranja e bebiam um pouco de aguardente (um grogue), ao que se dizia para não fazer “estamagueira”- um termo usado para explicar eventuais enfartamentos que poderiam surgir.

Concluído o pequeno-almoço, era tempo de começar a preparar as refeições seguintes.

Ao almoço por norma entrava a galinha caseira. Nesta altura, era tudo em grande. As quantidades eram reforçadas. Normalmente, não era apenas uma galinha, mas sim duas, ou até o maior galo que existisse lá no galinheiro. Claro que eram abatidas e preparadas de véspera. No dia, avançava-se para a confeção. Na minha casa, por norma era o guisado que vingava. Semilhas novas e um arroz branco, carregados de sabores caseiros, era um prato que normalmente implicava repetição.

Como primeiro prato, por vezes, fazia-se um caldo de galinha. Tudo isto acompanhado pelo pão caseiro feito por aqueles dias. Ao mesmo tempo que se preparava o almoço, como era festa, era necessário também preparar uma sobremesa. Por vezes, existia algum pudim, mas para nós o forte naquele dia, era uma salada de frutas. Com alguma antecedência, os meus pais compravam um ananás que era, por assim dizer, o “rei” da salada. Uma mistura de frutas que incluía banana, maçãs, laranjas e tangerinas. Pelo meio acrescentava-se um pouco de açúcar e um pouco de laranjada. Esta salada de frutas era uma espécie de confeção comunitária. Ou seja, lá em casa, todos à volta da mesa e de uma taça de grande porte, iam contribuindo para a sua elaboração. Era um processo muito divertido que, em muitas situações, implicava o lamber dos dedos, mesmo com as necessárias reprimendas de que éramos alvo por parte dos mais velhos.

Depois do almoço, era tempo de descanso. Para os mais pequenos, voltava-se às brincadeiras com os presentes que tinham “calhado” no sapatinho. Para os mais velhos, o tempo era aproveitado para uma bisca. Pelo meio, íamos comendo umas broas e outra doçaria feita especificamente para aqueles dias.

No final do dia de Natal, depois de muito comer, quase que não havia espaço e vontade para uma grande refeição. Era aí que entrava uma canja para finalizar o dia de festa.

E assim se concluía um dia sempre especial.

No dia seguinte, primeira oitava, era tempo de rumar à casa dos meus avós para um encontro entre tias, tios, primos e primas. Era mais um grande dia de festa.

Cada Natal, uma memória a ser guardada com carinho, independentemente das adversidades.

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