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Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

10/12/2023 07:30

A roupa nova a estrear na missa do Galo e a usar repetidamente nas oitavas que se seguiam. A canja do Dia de Festa na Casa da avó Adelina, que o tio coloria com vinho jaqué, perante a onda de reclamação da progenitora com a infâmia do ato. As bombas de “estralo” e os sustos que davam a quem estava posto em sossego naqueles dias de estar por casa. O cheiro a vinha d’alhos que invadia a cozinha e aconchegava a alma. A água-de-colónia do pai, que tinha sido presente de um tio de fora. Os pijamas e lençóis de flanela novos, comprados na loja de sempre. As brigas por causa da bisca de deitar fora e a fruta picadinha para a salada, que perfumavam o espaço e acalmavam o estômago e o espírito. As azeitonas gordas, a resina do pinheiro e a gambiarra acesa, já com metade das luzes queimadas. Os enfeites com algumas marcas do tempo e sem grande preocupação estética na disposição.

A família. O dia, mas sobretudo a preparação. O musgo fofinho e as figuras do presépio que se desembalavam e dispunham com cuidado. Os ensaios para a entrada de pastores e também para a anunciação do anjo. As asas. A paciência das manas Isalina e Adelina para as notas fora de tom, até chegarem à perfeição. Os preparativos. A rosquilha, os bolos preto e amarelo. O dia de fazer broas, que se esticava, sem pressa, pela noite fora e juntava todos na “cozinha de lenha”, a melhor da casa e para onde se transferiu o dia de festa, porque era o que fazia sentido. Os beijinhos comprados no Pantaleão e o deleite e ver os papelinhos coloridos fazerem faísca ao chegar ao chão.

A magia do dia de ir à cidade ver as luzes e andar nos carrinhos elétricos na Almirante Reis. O “são Festas” repetido até à exaustão pelo avô José para justificar os excessos desses dias. Os valores. O cheiro a goiabas acabadas de apanhar e a junquilhos nas jarras. Os sapatinhos sorridentes e vaidosos. As limpezas do Natal, a casa caiada e os terreiros areados com sal azedo. A Festa que se preparava com cuidado e fazia-se também com o caminho. O porco que morria e se celebrava com grão-de-bico. As tripas lavadas na levada. A canalha a brincar na rua. As gargalhadas, o amor servido com notas de rispidez. As missas do parto. A ida ao cinema religiosamente no dia 26 para os mais novos. A mesa que crescia para albergar mais um e outro e a família que retornava.

A receita antiga em papel amarelo que faz reavivar tudo o que já não é igual. A tradição que não sendo o que era, perpetua o que sendo diferente é memória que faz vivo quem já cá não está, mas deixou tanto em quem cá ficou e nos que se seguirem. Deve ser isto a eternidade.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
18/12/2025 08:00

Há uma dor estranha, quase impossível de explicar, que nasce quando alguém que amamos continua aqui... mas, aos poucos, deixa de estar. Não há funerais,...

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