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Artigo de Opinião

Antropóloga / Investigadora

29/12/2026 03:00

Num país que se diz moderno, europeu e competitivo, continua a prosperar um velho vício nacional: promover pessoas por afinidade e não por competência. O fenómeno repete-se em vários sítios: na administração pública, nas empresas privadas, nas escolas, nos hospitais, no comércio e noutras instituições. O talento existe, mas muitas vezes não chega ao topo. Fica retido por portas que só se abrem a quem tem o “amigo certo”, a quem pertence ao círculo adequado ou, simplesmente, a quem sabe jogar o jogo da conveniência.

Este problema não é novo, mas tornou-se mais visível numa sociedade cada vez mais qualificada. Hoje, temos profissionais altamente preparados, com percursos sólidos, que continuam a ser ultrapassados por quem acumula menos mérito, mas sim por terem mais proximidade com quem decide... são aqueles que dão a tal graxa, que pagam o cafezinho, os bajuladores como eu chamo. Não importa se foste um excelente aluno na época do liceu ou se tiraste média de dezanove valores durante a tua formação académica ou até se já frequentaste vários workshops. Não importa se és dedicado ou proativo; ou mesmo se tens um excelente desempenho. A verdade é esta: quando as escolhas se fazem com base em simpatias, contactos pessoais ou favores implícitos, o país perde competitividade, eficiência e, sobretudo, justiça.

É como um jogo. Se já sabes que vai perder e quem vai ganhar, então qual o objetivo de jogar? Promover por afinidade é uma forma subtil de desigualdade. Gera ambientes de trabalho onde o esforço não é recompensado e a excelência não é valorizada. Quem trabalha mais depressa percebe que não basta competência — é preciso encaixar nos círculos certos, nem que seja por segundas intenções. E isso corrói a motivação de qualquer um. Poucas coisas desmobilizam mais do que ver alguém menos preparado ocupar posições para as quais outros se esforçaram verdadeiramente.

As consequências são profundas. Perde-se inovação, porque as lideranças não refletem os melhores. Perde-se dinamismo, porque as decisões passam a ser feitas para proteger redes, não para servir objetivos. Perde-se confiança nas instituições, porque a perceção de injustiça é evidente demais para ser ignorada. O país fica mais lento, mais pesado e mais cínico.

É urgente inverter esta lógica. Precisamos de transparência, critérios claros, avaliações independentes e uma cultura que reconheça valor real — não apenas proximidades pessoais. Não se trata de eliminar relações humanas, que são inevitáveis; trata-se de impedir que se sobreponham ao mérito.

O país tem talento suficiente para fazer muito melhor. Mas enquanto continuarmos a promover por afinidade e não por competência, estaremos a desperdiçar potencial e a alimentar mediocridade. E talvez essa seja a maior tragédia: não é a falta de capacidades — é a falta de coragem e vontade para escolher os melhores.

Promover por mérito não é apenas uma questão de igualdade ou de justiça, mas sim uma questão de ética e de visão. Porque quem quer uma equipa vigorosa precisa de diversidade de ideias, experiências e formas de pensar. Quer resultados? Então promova quem fez a diferença, quem diz o que pensa, e não quem está mais próximo de si. Não adianta cobrar por competência se promovemos por afinidade.

Em vésperas de um novo ano, deixo aqui esta reflexão: este é o país de hoje. Mas terá de ser o de amanhã? O futuro é hoje, e somos nós que o construímos!

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