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Artigo de Opinião

DE LETRA E CAL

12/06/2023 07:55

O tempo lento da infância acelerou. Como se tivesse encontrado uma estrada muito íngreme e molhada. Como se os travões já não funcionassem à força de os usarmos. As horas são agora uma ferramenta rápida de medir os dias. E tudo isto faz de nós uma espécie de outros. Os outros de nós, aqueles que somos hoje, já distantes dos outros que fomos e que são múltiplos e cada vez mais distantes.

É como se fossemos feitos de uma matéria que se transfigura e transforma, como se deixássemos a pele algures pelo caminho e a substituíssemos por uma nova a cada etapa. As dores do crescimento são mais longas do que aquelas associadas aos ossos e à altura que vamos adquirindo. São dores de crescimento que nos acompanham em todas as idades. Na verdade, nunca paramos de crescer e de doer.

A felicidade é uma espécie de intervalo, e quase que é bom que assim seja porque, caso contrário, a vida seria ainda mais célere, como são céleres todos os momentos felizes, que parecem uma luz que brilha e que implode na sua própria magia.

Leio Silvina Ocampo: "tao curta seria a vida se não tivesse os momentos desagradáveis que a tornam interminável." E, na verdade, se apenas fossemos feitos de felicidade, esta rapidez do tempo seria ainda maior. Seríamos um ápice feliz e constante e depressa a vida se escorreria por uma qualquer fresta dessa felicidade.

Não está aqui nenhuma apologia da tristeza, mas sim a constatação de que a vida completa tem tudo dentro. E que talvez esse dentro cheio de movimentos contraditórios seja o segredo de uma maravilha que é sempre superior a nós, porque nos antecede e sobrevive.

É dentro de todos esses movimentos que nos vamos alterando com o tempo, que vamos mudando e acertando coração como uma música que verdadeiramente nunca aprendemos na totalidade. Somos sempre esta espécie de pauta inacabada, um passo de dança à procura do compasso, uma melodia que se conjuga sozinha ou acompanhada. E depois um ar que se carrega de alegria, de tristeza, de encontros e de perdas. Um caminho sempre mais curto do que as coisas que imaginamos e que se tornam a nossa única imortalidade.

Somos por dentro uma espécie de infinito sem verdadeira correspondência com o que de fora existe e termina e necessariamente morre um dia. Pessoas, coisas, animais, sentimentos, até a memória que tantas vezes sofre uma erosão mais rápida do que o corpo.

Seremos sempre, durante o tempo que nos é dado, vários outros de nós.

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