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Artigo de Opinião

Jornalista

27/10/2022 08:00

Na minha zona quando alguém morria nas redondezas, o luto quase que se estendia por toda a vizinhança. Lembro-me de acompanhar os meus pais para ir ver alguém que estava na "ecia" - era assim que o povo rotulava aqueles momentos de velório.

Nesse tempo quando alguém morria o quarto mais importante da casa normalmente a sala era adaptado para colocar aí o defunto. Alguém vestia o morto e nessa altura não era colocado logo no caixão. Por vezes adaptavam-se umas tábuas em cima duns bancos de madeira e era aí que se colocava o defunto. Era coberto com um lençol. A partir dessa altura já se começava a velar o defunto com a família ali ao lado. O corpo permanecia ali de um dia para o outro até à hora do funeral.

Nesse tempo todo, vizinhos e amigos iam passando por ali, amparando a família, nunca deixando o defunto sozinho. Uns faziam questão de levantar a ponta do lençol para numa espécie de última despedida ver a cara do morto. O caixão normalmente só chegava pouco tempo antes do funeral.

Era mandado fazer na carpintaria mais próxima ou por pessoas que se "especializavam" neste tipo de construção. Era feito com materiais muito simples. As tábuas eram cortadas à medida e depois forradas com tecidos pretos. Por de baixo do caixão-nessa altura não havia urnas - eram colocados uns paus que serviam para o transporte. O caixão chegava a casa do defunto e aí os homens colocavam a pessoa morta dentro. A partir daí começava outro ritual também carregado de tristeza e emoção.

Era o abandono definitivo daquela pessoa que partia da casa que foi sua até à morte.

Os responsáveis pelo funeral - que na altura não eram agências - organizavam o cortejo fúnebre para partir em direção à igreja. Fosse a que distância fosse era tudo a pé. O caixão era transportado por homens que seguravam nas travessas colocadas por de baixo. Lembro-me de ver à distância vários funerais em sítios próximos da minha casa.

Nesse tempo quase toda a gente ia vestida de preto.

A primeira parte do percurso era feita em direção à igreja. Era aí que decorria a missa de corpo presente. Depois disso havia que levar o caixão até ao cemitério. Em Santana isso implicava atravessar a vila toda. Agora com a construção da capela no cemitério já não é assim.

Nessa altura quando o cortejo passava as mercearias e os bares em sinal de respeito fechavam as portas, por vezes com os clientes lá dentro. Só abriam quando passasse a última pessoa do funeral. Em função da "importância" do defunto se era mais conhecida ou não, o comprimento do cortejo fúnebre aumentava.

Os funerais deixam sempre marcas. Uns até provocavam uma onda de consternação muito grande. Lembro-me de alguns casos de crianças ou jovens que partiram vítimas de azarares diversos. Cheguei a presenciar funerais de miúdos da minha idade que morrerem em acidentes ou, por exemplo afogados em poços de rega. Essas eram perdas muito duras.

Hoje o ritual dos funerais já não é assim tão sinistro como era noutros tempos. Mas a dor de quem perde alguém seguramente que não muda.

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