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Artigo de Opinião

Professor

29/08/2022 08:00

É sempre complexo fazer-se qualquer apreciação das qualidades e defeitos humanos dos sacerdotes. O manto diáfano da Igreja abafou, durante séculos, todo e qualquer comportamento inapropriado. Colocou-os naquele espaço espiritual onde a racionalidade fica coartada. Mas, mesmo assim, neste tempo de ajuste de contas com o passado, é justo reconhecermos os bons exemplos.

E, anteontem, ao cair da noite, quando os fachos se acenderam, uma vez mais, nas encostas de Machico. Naquele colosso de luz, fogo e tradição. E já quando os barcos se desfaziam no escuro, voltei a pensar no padre esta semana falecido. Nos seus barcos apinhados de fiéis, na sua incomparável procissão marítima da Festa da Piedade.

Sempre houve receio, se não pavor, de questionar a Igreja e os comportamentos inapropriados dos seus sacerdotes, quando era o caso. Em público, ficavam apenas os elogios fundamentados ou gratuitos. Porque cedo nos vimos confrontados entre as nossas lúcidas perceções e os tabus sociais que lhes davam cabal cobertura. Um padre era um padre, ponto final. Por não ser praticante, por perceber o histórico papel social da religião e por considerar um terreno fortemente armadilhado, ao longo do tempo, fiz como os comuns mortais. Falar de padres só em surdina.

E, em surdina, se foi ouvindo e falando durante décadas. Dos que deixaram suspeitas de comportamentos maliciosos, dos que traziam a vaidade pessoal estampada no rosto, dos que transformaram os fiéis numa armada de defesa das suas terrenas travessuras. E dos bondosos pastores também.

O padre Pereira foi um destes. Mais de cinquenta anos à frente da paróquia do Caniçal. A educar jovens e adultos, a viver os seus sonhos e emoções, a tentar cobrir de espiritualidade uma comunidade pobre que, durante séculos, só do mar sobrevivia. Viveu as tragédias, partilhou as alegrias, compreendendo como ninguém as exóticas idiossincrasias, as complexidades duma vivência, cultura e hábitos marcados por séculos de quase isolamento. Tudo com uma paciência de santo, como dizia o povo.

Com eles festejou em honra da padroeira. Com eles realizou, durante mais de meio século, a procissão da Senhora da Piedade. Embarcou em canoas, depois em pequenos barcos, depois em majestosas traineiras, acompanhando a imagem sagrada por mar e por terra, desde o monte até à igreja, junto à costa da Ponta de São Lourenço.

Para além do seu enorme contributo para o desenvolvimento social da freguesia, do profundo humanismo que por ali praticou, realizou, por fim, o seu sonho e o da paróquia. A construção da igreja nova que conseguiu graças às suas particulares capacidades de diálogo com todas as instituições. Paz à alma do Padre José Pereira, um verdadeiro pastor do Caniçal.

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