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Artigo de Opinião

28/09/2025 08:00

O Afeganistão em 2014 era um palco de tragédias em série. A pior delas? A segurança, ou melhor, a falta dela. Os talibãs, esses zelotas sanguinários, controlavam largas fatias do país e brindavam Cabul, todas as semanas, com atentados suicidas. Nem o célebre “anel de aço” escapava, esse território pomposamente baptizado de inexpugnável, onde se empoleiravam ministérios, embaixadas, mansões das elites e todo o circo da alta nomenklatura.

O cenário parecia saído de um catálogo de guerra: muros anti-explosão, tanques reluzentes, carros blindados, arame farpado e homens armados até aos dentes com material made in USA. Mas, na prática, era como tapar o Titanic com fita adesiva, cheio de buracos por onde os insurgentes se esgueiravam sem esforço.

Foi nesse circo que aterrei, já com 40 e uns trocos de idade e algumas guerras no currículo. Mas esta era diferente, pois aqui só o facto de ser ocidental equivalia a ter uma mira na testa. Nada excitava mais os jihadistas do que raptar um europeu e cortar-lhe o pescoço em direto para as câmaras. Reality show no pior sentido.

Poucos dias antes da minha chegada, um restaurante libanês, considerado fortaleza, com perímetros de segurança, mais de uma dezena de guardas armados, paredes reforçadas para aguentar explosões, foi pulverizado num “ataque complexo”. Vinte mortos em minutos, a maioria trabalhadores internacionais. O resultado foi que a liberdade de movimentos passou de escassa a inexistente. Restaurantes? Hotéis? Esqueçam. Só restava o bunker da ONU ou a base da NATO. Mas para lá ir era preciso pedir autorização com 48 horas de antecedência, viajar em carro blindado, colete à prova de bala e escolta. Não havia muito espaço para a espontaneidade.

Dentro desses complexos, o cenário parecia Las Vegas versão pós-apocalipse, com supermercados pejados de produtos exóticos, bares e restaurantes onde o álcool custava mais que ouro. A fauna local era bastante heterogénea: militares em formato armário, diplomatas, jornalistas, empresários, humanitários, traficantes de armas e guarda-costas que pareciam saídos de um videojogo. Um autêntico bar de mercenários à la Star Wars.

A sociedade afegã, essa, jogava noutra liga. A misoginia era lei! A interação entre os sexos era inexistente. Mulheres de um lado, homens do outro, ponto final. Fui a um casamento e nunca vi a noiva, pois estava atrás de uma cortina monumental que dividia o salão em dois. As convidadas idem. Rumores diziam que as afegãs eram lindas... mas para mim ficaram na categoria “lenda urbana”. Já a homossexualidade tinha uma lógica de ginástica moral única, pois oficialmente era punida com a morte, mas, culturalmente, só era “verdadeiro gay” quem gostasse apenas de homens. Se fosse casado e desse umas escapadinhas, estava tudo bem! Para completar o quadro, havia ainda a pedofilia institucionalizada, os famigerados “dancings boys”, adolescentes pobres vindos de zonas rurais, que se vestiam de mulher, recrutados por senhores da guerra para satisfazer apetites proibidos. E consideram o Ocidente decadente!

Quando penso nos meses passados no Afeganistão, tento resgatar o lado bom. O povo é hospitaleiro, sabe rir das próprias tragédias, e o país tem paisagens de cortar a respiração. Mas a verdade é simples: é uma sociedade profundamente misógina, violenta, extremista, perversa, corrupta, com complexos de superioridade moral, onde as coisas más pesavam tanto mais do que as boas que, até hoje, foi o mais próximo do inferno que estive.

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