Com o avançar da idade, o homem, acumulando conhecimento, experiência e sentir, com o adquirir de rotinas, práticas e hábitos que em simultâneo alicerçam a formação do seu ser, reconhece as alterações de valores ditadas pelo amontoar dos muitos quotidianos, que lhe procuraram mostrar as razões do viver, enfrentando tristezas e alegrias, enquanto se debate entre realidades e ilusões.
E o relógio da vida vem, uma vez mais, assinalar as datas. Sem esperar, sequer, que tenhamos o cuidado de concentrar a necessária atenção no mostrador!
No entanto, há o relógio do tempo que está em nós e cujos ponteiros se movem, indefinidamente, entre o consciente, a memória e os estados de espírito que se apoderam da alma, momento a momento, impulsionados por circunstâncias nem sempre contextualizadas que se evidenciam das demais, afectando a razão e despertando entorpecimentos recostados na habituação de serem activados com a cadência que o afectivo estabelece para tudo quanto é recordação.
Se há um período no ano em que nos vamos libertando do peso dos cobertores que aquentam a cama, chegado Dezembro, à noite, o esfriar da temperatura do ar motiva a procura de uma coberta para aconchegar o corpo, conservando o calor necessário ao bem-estar da alma, oportuno espelho reflector daquele. É, regra geral, associado a este irrelevante momento de gestão ambiental da condição do homem, que se esboçam os primeiros indícios a denunciarem, anualmente, o aproximar de mais um Natal!
O calendário dos anos apressa-se a escambar mais uma folha. O minguar dos dias a que se associam a chuva e o frio, prenuncia a festa, o Natal, esse período de celebração que cicia a alma congregando nas famílias, ao longo do mês, a força do viver. Durante semanas exercitam-se ideias procurando conciliar as mais distintas convergências repartidas entre o religioso e o profano. Reitera-se, com quanto de ilusório rodeia todo o repetir, porque envolto sempre num outro tempo, o minucioso organizar do acarinhado percurso que culmina com o dia de Natal a que se segue o anunciar de um novo ano.
A azáfama expressa pelas pessoas, com maior ou menor intensidade, sucumbe a um querer dilatar o tempo, aquele que os relógios sinalizam, mecânico, aritmético, irreversível, como se o existente fosse insuficiente para acolher a miríade de acções apontadas à Festa, frequentemente, denominadas de necessárias para que possa acontecer o Natal.
As famílias procuram materializar o nascimento de Jesus com a construção de presépios unidos no propósito, mas diferenciados pelo querer e pelo poder de cada um, porquanto no ser humano haver um mundo de cogitações, de sentimentos, de emoções e de imaginação, responsabilizando resultados e acções.
Em simultâneo preparam-se as iguarias que irão confortar o corpo, municiando a figura do Pai Natal com os presentes e lembranças possíveis, esses embriões da alegria das crianças que transportam na alma a felicidade alimentada pela incapacidade de conseguirem distinguir sonhos e realidade.
Acompanhando o galgar do tempo e os rastos de memória petrificada pelo passar dos anos, há sempre um Natal que está em nós, que permanece cativo do consciente, do mesmo modo que há eus que teimam em viver, em resistir, ultrapassando os sentidos, querendo reviver o impossível e iludir o presente como se por magia, neste período, a vida pudesse avançar em todas as direcções ignorando presente e futuro.
Tudo se circunscreve à existência, à consciencialização do viver, do querer eternizar a alma, derrubado que esteja o corpo no culminar da transformação ditada pelo Cosmos. E nesse constante balancear da vida entre um ontem e um amanhã em permanente mudança, o espírito assiste ao persistente confronto entre devir e memória, entre melancolia e ilusão!
O Natal, quando apartado do contributo que exulta a felicidade dos mais novos, acaba por robustecer a melancolia que invade a penumbra dos espaços despidos pelas ausências eternas de quantos persistem em nos ser queridos. E o resquício dos eus que fomos e teimam em sobreviver dentro de nós, consegue superar o tempo presente e impor-se, ensimesmado, soçobrando na incapacidade de atravessar a ponte que liga o tempo que está em nós ao dos ponteiros que reflectem os relógios do mundo.