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Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

12/12/2021 07:31

Às vezes dava a sensação de passarem semanas em que não se via as Desertas, mas não seriam mais do que horas, talvez um dia ou dois. Fosse como fosse toldava o raciocínio, pois deixar de ver as ilhas de ninguém era perder o horizonte. Quem é que vive bem sem horizonte e com humidade no corpo a roçar as fronteiras da alma?. "Não vai dar bom", sentenciava alguém. "Nem lembra a Festas".

Talvez as casas não estivessem preparadas para as invernias da serra, que era o que se considerava quando se subia a mais de 500 metros do mar. Quando se vive rodeado de água por todos os lados, a vida fica ali entre a hipérbole a antítese. E o cinzento ia tomando conta das gentes, do mais velho ao mais novo. Uns porque não havia quem trabalhasse debaixo de água e no meio do lameiro, outros porque estavam aprisionados a casa, longe das "más companhias". Tanta guerra de laranja à espera de uma aberta que fosse e a água que não parava de pingar.

Restava olhar janela e rejubilar quando a Pedra Redonda se mostrava airosa, com a sua terra cor de fogo e os seus pinheiros vaidosos a dançar ao som do vento entre o cinzento reinante.

Não parecia o cantinho do céu que apregoavam. No céu não deve haver salitre nas paredes, que devem ser de algodão. Doce. E não há verdete nos terreiros, que devem ser de calçada de pipocas. Salgadas. Ou de tremoços. Bem temperados. Quando se vive rodeado de água por todas as pontas, a vida também pode uma ilha de hábitos estranhos. E pensamentos. Às vezes cogitava que as Desertas podiam ter desaparecido, no meio daquela tempestade interminável de dias, que podiam afinal ser horas. Mas as ilhas não afundam, nem os que lá vivem, mesmo quando naufragam. Porque a seguir vem sempre um dia de sol. O verdete sai com sal azedo e as paredes são caiadas para as Festas, que, mesmo quando não lembra, regressam com a suas Missas do Parto preparatórias e as Oitavas a compensar. Para a alma é que às vezes é mais difícil chegar a bom porto. Porque quando se vive rodeado de mar por todas as bandas parece que se está sempre a navegar. E, às vezes, mareia.

Sandra Cardoso escreve
ao domingo, de 2 em 2 semanas

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