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Artigo de Opinião

CULTURAS GLOBAIS E CRIATIVIDADE

16/08/2021 08:00

Hoje faço uma breve reflexão acerca de evolução e retorno, a valores e bases que se perderam um pouco, desejando que possa ser útil e estimulante, claro, procurando que essa reflexão possa também ser feita por vós.

É incontornável e sabido temas da actualidade que são consubstanciais a todos nós como humanidade, desde as alterações climáticas, saúde mental, insustentabilidades, que futuro e por aí adiante. É também imperativo reflectir que planeta deixaremos para as futuras gerações, que legado receberão, que ignorâncias e erros nos apontarão. Nesse sentido, a minha recente presença na aldeia de Guilkan, no Vale de Hunza, já perto da fronteira entre o Paquistão e a China, fez-me deambular por pensamentos e sensações não muito fáceis.

Nesta aldeia vive um grupo étnico que há alguns séculos mudou-se do corredor de Wahkan para onde residem actualmente, nas remotas e avassaladoras montanhas do norte do Paquistão. São cerca de 2000 pessoas, todas da mesma família, vivem sobretudo do que produzem, são circundados por uma natureza impressionante, sombreados por cerejeiras, infindáveis árvores de alperce, macieiras e gigantes amoreiras. Vivem paredes meias com vacas, bodes e galinhas. O movimento alado é caracterizado por diversas e cantantes aves, incluindo gloriosas águias que se esvoaçam em voos triunfantes sobre o panorama do singular lugarejo. Produzem o que comem, agricultam o que podem, a electricidade está presente apenas algumas horas por dia e de forma muito rudimentar. Acima de tudo e muito importante, têm um sentido de comunidade que é raro e em vias de desaparecimento pelo Ocidente. Têm a mesma forma de vida há cerca de um milénio e restos. Ajudam-se, têm sorriso fácil e é perceptível uma pureza e simplicidade de alma contagiante. É recanto de sonho para antropólogos e afins. Para mim foi honra e privilégio estar em contacto com esta comunidade.

Acontece que nem tudo são rosas, e perfeições não residem no mundo. Antes da chegada da modernização e importações que vão "acorrentando" esta vila, desde restaurantes no Vale de Hunza, serviços Ocidentalizados, comida importada, etc, a esperança média de vida era acima dos 100 anos. De momento ronda os 75 a 80 anos. Em redor, nas aldeias e vilas do norte do Paquistão, jovens suicidam-se como nunca antes, nas montanhas, por não vislumbrarem futuro. Um professor Paquistanês, de nome Serak, com quem tive a oportunidade de falar, desenvolve um projecto com crianças e jovens destas terras e confidenciou-me que esta vaga de suicídios está directamente relacionada com as importações de sonhos Ocidentais. Os jovens têm habilitações, até ao nível académico, mas o mercado é inexistente para estas habilitações ou escasso. Estes jovens já não querem voltar à terra, não querem ser guias de expedições às montanhas. Tudo isto lembrou-me quão raro é a existência de uma aldeia como Guilkan. Fez-me também lembrar histórias da Madeira do passado e de quantas aldeias desse género existiam por aqui. Fez-me duvidar muito de muita coisa. Fez-me pensar e questionar que evolução e modernidade gloriosa é esta afinal? Fez-me pensar se não carecemos de beber alguns destes valores de comunidade, de empatia com o que a natureza oferece, em lugar destes individualismos e egos ocidentais que dão primazia a carreiras, a fachada, a acumulação de bens, a sonhos e ambições desmedidas como se a vida terrena fosse durar seis séculos. Fez-me pensar: Evolução ou retorno? Onde está o equilíbrio disto tudo? Não tenho grandes respostas e quando mais penso mais perguntas surgem. Façam vocês essas reflexões se puderem e se não estiverem ocupadíssimos. Quanto a mim, resta-me agradecer a oportunidade de ter visto com os meus olhos um recanto único do mundo. Obrigado Rehman, Citára e filhos Ali, Ráfia e Elisa por me terem mostrado o vosso "Paraíso".

Até…

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