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Artigo de Opinião

AQUINTRODIA

31/01/2021 08:00

Era da terra a sua vida, pelo gado a labuta, de rega a sua noite, de gigas às costas para o mercado o seu fim- de-semana, de pausa e reza o seu domingo.

Era do trigo malhado na eira o seu pão, do leite das reses a sua força, da carne do reco salgada o seu sustento.

Ela curvava-se na toalha que bordava nas folgas da lide caseira, nos espaços que lhe deixava a fabricação da manteiga ou o amassar do pão cozido no forno a lenha, que vendia.

Tiveram sete filhos rapazes. Alinhados na conduta honrada dos pais, seguiam as pegadas do trabalho a qualquer hora, sem tempo nem intervalo, nos poios semeados com os pingos do suor.

Receberam letras e contas na escola a que chegavam descalços, calcorreando caminhos desde antes do amanhecer.

Souberam de outras terras e paragens, foram sonhando com outros poisos e tarefas.

Cinco foram saindo, um a um. Chamavam-se uns aos outros, como então era.

Falemos do Luís.

Era forte, bonitão, bem formado, como todos. Não sei por que artes, da Camacha, onde nascera, foi trabalhar no armazém do Camachinho, no Paul do Mar, extremo oeste da Ilha.

Bem visto na família do patrão, começou a observar a sobrinha gaiata, alegre, cantadeira a toda a hora. Não tardou que se pegassem de amores. Apesar de muito jovens, e depois de vencida alguma resistência familiar, casaram, tinha a Isabel dezasseis anitos.

Cumprida a tropa, Luís partiu. Foi sozinho a tentar a sorte no Brasil.

Isabel juntou-se-lhe, viajando com três filhotas bem meninas, uma aventura no Serpa Pinto, por várias semanas.

Ficaram por São Paulo, onde nasceu outra filha. Eram família feliz. O canto, o seu enlevo. Todos de boa voz e afinação, com facilidade harmonizavam. Quando havia celebração não faltava a cantoria.

Um dia, bate-me à porta a Maria, com dois filhos. Éramos primos e logo os abraços nos amarraram.

Feita a programação e conciliação com os compromissos profissionais, lá fomos conhecer família, o seu principal objetivo. Isso implicava uma batida pela Camacha e Paul, onde habitassem tios e primos.

Os encontros tinham o calor e alegria da consanguinidade.

Normalmente, com os abraços chegava a emoção a escorrer dos olhos. Desfiavam-se episódios de vida, recordavam-se vivências de antanho. Eram em catadupa as informações. Os de cá a querer saber dos de lá, e vice-versa. Ficava-se horas à mesa, ou à lareira, saboreando ao vivo os detalhes. Nunca faltavam as canções.

Naquela tarde, fomos visitar a casa onde nascera o Luís, pai da Maria, e mais os irmãos. Uma salinha, o quarto dos pais e um sótão onde se comprimiam sete rapazes. Era de palha a cobertura, de pedra morta as paredes. Na cozinha, escavada na rocha, uma lareira no chão, onde as panelas de ferro ofereciam sabor especial aos legumes e cereais, um forno, sem água, nem luz.

No poio de baixo, a latrina, o chiqueiro, ao fundo o curral, acima o palheiro, logo atrás a eira.

Maria ficou pasmada, dos olhos saiam fios que escreviam na face a estupefação encantada, sem voz nem gesto. Sorvendo a dureza de ali viver, revia o pai, os tios e os avós naquele espaço exíguo, sem conforto, mas caloroso do bem querer que aprenderam a partilhar.

Agarrada aos filhos sussurrou-lhes: - vejam onde bebem as nossas raízes!

E levou uma pedrinha da parede da casa em ruinas, bem juntinha ao coração.

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