Na sua mensagem de Natal, o Primeiro-Ministro deste país do fado disse-nos que “agora é que é”, que vamos ter três anos e meio sem eleições (assim queiram as oposições e o Presidente). A primeira coisa que me salta à ideia, aqui e em vez da contida euforia pretendida pelo discursante, é que esta é uma admissão de que o governo andou, até agora, a governar para o voto. Compreendo, mas não aprecio. Como alguém que não tem simpatia por governos em geral, não aprecio. Ainda se, pela inação governativa, a burocracia não custasse impostos e não constrangesse a actividade da malta em geral..., mas não. É preciso um governo que governe no sentido de tirar tanto impostos como constrangimentos à acção humana do cidadão (seja privado, colectivo, ou mesmo o próprio Estado).
Também lembra, o excelso Primeiro, que Portugal foi recentemente considerado a melhor economia do mundo por uma conceituada revista de economia. O crescimento que faz de Portugal a melhor economia do mundo é anémico, mas é melhor que o dos outros. Alvíssaras! É como comparar um caracol a uma pedra e concluir que o gastrópode é muito rápido. Verdade seja dita, aqui o Primeiro não está sozinho. Raro foi o comentador nacional que não se mostrou animado com a anemia vencedora. Contentamo-nos com pouco, ou estamos mal-habituados.
De qualquer das formas, o emprego é quase pleno (a não ser para jovens à procura do primeiro emprego) e os salários sobem (talvez porque o emprego é quase pleno?) na melhor economia do mundo; não será a altura ideal para agitar um pouco as águas? Não é esta a melhor altura para pôr o anafado Estado num regime de perda de peso para libertar a energia da sociedade para a inovação, o investimento e o prémio do esforço? Pois... estava a esquecer-me da patriótica inveja e do nacional egoísmo.
É sabido que quem faz dinheiro, para a cultura vigente em Portugal, só o pode fazer por pura maldade e por vias pouco recomendáveis. Se o meu vizinho é mais rico do que eu, eu não lhe pergunto como o fez, nem procuro o seu mérito. Limito-me a ter a certeza de que é um pérfido larápio, tem um padrinho num lugar de poder, ou untou as mãos certas. Nem sequer é válido que não faça mossa; faz sempre mossa, porque o sacripanta tem e eu não. Não pode ser. Antes o “desgraçadismo” igualitário, como é óbvio.
O que eu quero do nosso Primeiro, sinceramente, é que finalmente faça. Tem, como o próprio disse, três anos e meio sem pulsões eleitoralistas (a ver vamos...). A promessa de aliviar o contribuinte, libertar o empreendedor e de facilitar a procura do melhor emprego para as competências e talentos de cada um, deve cumprir-se agora, quando as coisas estão melhorzinhas — mesmo que anémicas.
Acomodados e amedrontados vão existir sempre, mas não devem ser premiados por isso. Não são estes quem vai contrariar a modorra. Não mexem nem fazem mexer; está bom como está, mesmo que anémico.
Quem arrisca empreender, inovar, e/ou arriscar, não deve ser castigado por o fazer, muito menos por ter sucesso ao fazê-lo. A doutrina do “ir buscar onde há” é exactamente isso: castigar quem tem algum sucesso, mesmo que modesto.
Os jovens que saem arriscam; muitos vão inovar e empreender lá fora. Não arriscam ou empreendem cá dentro porque as nossas fronteiras encerram um sôfrego monstro que, dizendo-se paternal, desanima quem quer arriscar, agrilhoa quem empreende e castiga quem tem sucesso apesar dele.
Já desperdiçou um ano e três quartos, Sr. Primeiro. A ver o que faz com estes três anos e meio.