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Artigo de Opinião

Professora Universitária

13/10/2025 06:25

Não estava no programa do Governo, não foi discutido com a comunidade científica, não existiu um diagnóstico aprofundado, não se conhece uma análise de riscos, não se preveniram as possíveis consequências e os danos à coesão social e territorial, não se compreende a metodologia. Mas, durante as férias de verão, o Governo central comunicou a extinção da FCT e da ANI para as fundir numa sociedade anónima de capitais públicos sob a dupla tutela da Educação, Ciência e Inovação e da Economia. Com uma clara intenção de apoiar a inovação, subalterniza as ciências fundamentais ao serviço da ciência aplicada aos interesses económicos estratégicos nacionais e empresariais.

Não é errado agir a favor da inovação tecnológica e científica ditada pelas necessidades das empresas como forma de alavancar a economia e de estimular a competitividade, mas esta direção pode ditar a desvalorização das ciências sociais e humanas, numa visão redutora do que é o verdadeiro desenvolvimento social, económico e nacional. A própria posição europeia alicerça o crescimento na cooperação harmónica das diversas áreas científicas, já que toda a inovação sempre partiu do estímulo das ciências fundamentais. Ora, ainda não se compreendeu bem os possíveis ganhos de eficiência de uma agência que terá como principal objetivo a relação com o tecido empresarial.

Se os governos socialistas sempre privilegiaram a capacidade de conhecimento, com o reforço do capital humano e das infra-estruturas, esta reforma miraculosa, que aponta para o aumento do financiamento público subordinado aos objetivos do investimento empresarial, poderá vir a acentuar os pontos frágeis do nosso sistema científico. De facto, temos um insuficiente financiamento público à partida, incentivos legais ao investimento das empresas em investigação desadequados, baixa capacidade de absorção por parte das empresas e uma estrutura económica em transformação quando pouco se está a fazer para a execução do PRR e dos fundos comunitários nesta área, agora ainda mais dificultada pela disfunção do sistema que se quer salvar.

E a Madeira? O défice de investimento na ciência irá refletir-se na universidade, com serviços e áreas que não têm capacidades para operar nos mercados, mas são importantes, a sofrer falta de financiamento para a investigação. A diminuição ou extinção de fundos comunitários (que nos próximos anos irão ser direcionados para a defesa) poderão ditar a perda de contribuições importantes para o funcionamento da Universidade, o não aproveitamento do PRR para o melhoramento do ensino e das infra-estruturas pode mesmo vir a ser desastroso a curto e longo prazo. Direcionar a abertura de cursos aos condicionamentos do mercado de trabalho pode ser enganador, sem contar com a péssima taxa de colaboração entre investigação e empresas na Madeira em comparação com outras áreas do país de forte implantação empresarial, com as empresas de inovação e tecnologia a participarem ativamente no financiamento das instituições do ensino superior. Com esta reforma, serão as universidades situadas em regiões de fraco reforço empresarial a sofrer mais as consequências.

Com a diminuição preocupante nos números de acesso ao ensino superior, o percurso universitário que muitas vezes é marcado pelo insucesso e abandono, o vislumbrar-se de um financiamento em queda, as universidades vão ter de enfrentar uma série de dificuldades que podem ditar a sua aglutinação em redes universitárias, perdendo, assim, a ligação com o território. Enquanto as grandes universidades, situadas em regiões em que as empresas e os capitais são relevantes e que poderão estimular conhecimento em várias áreas, irão vencer a corrida, restará às universidades periféricas e ultra-periféricas serem institutos de apoio, com cursos ditados pela utilidade imediata, sem ter a esperança de chegarem ao patamar de excelência. Quem perderá, no fundo, são as regiões, a coesão territorial e social e a igualdade de oportunidades das pessoas, mas também das empresas.

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