MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

Professora Universitária

12/12/2022 05:58

Porque a paisagem faz parte da nossa identidade, individual e coletiva, está impressa nos nossos olhos e é quase tátil, como um rosto conhecido, do qual, mesmo sem ver, conseguimos reconstituir as linhas. Por isso, aquele prédio enorme que, sem me dar conta, crescera na zona entre os Barreiros e as Virtudes deixou-me um sentimento de tristeza. Pensei no cuidado da maior parte das cidades europeias em manter a arquitetura tradicional, em valorizar-se e garantir a sua diferença impondo limites de altura, indiferentes às pressões do betão. Lembrei-me do restauro feito numa casa em Itália e no batalhão de arquitetos paisagistas e funcionários do Departamento de Obras e Cultura da Câmara que tivemos de enfrentar para que não se criasse desarmonia com a intervenção numa humilde casa, numa modesta rua. Mas é assim que se preserva o que é de todos.

Num programa de televisão sobre a Madeira, ouvi o proprietário de uma das mais belas quintas madeirenses, ali mesmo em frente à Quinta Magnólia, explicar que era um dos últimos a resistir à pressão imobiliária. Que já restavam poucos a fazer bloco contra as máquinas. Lembrei-me da Quinta do Jasmineiro, onde a escritora Luzia morreu, na zona dos Ilhéus, vendida com a licença para fazer um novo condomínio. Mais uma casa com história a desaparecer. No mesmo caminho, irá o Solar da Nossa Senhora da Piedade, no Jardim do Mar, onde a autora também viveu, deixado à destruição do tempo, sem uma decisão que o salve.

Depois, há a paisagem que se modifica em nome da utilidade económica: um teleférico a cortar o panorama, uma estrada que inevitavelmente transformará o lugar, um campo de golfe que será paisagem só para alguns, um hotel cuja frente mar passa a ser dos clientes. Ainda há a paisagem agrícola que se perde pela não valorização, como os poios, que há muito deveriam ter sido candidatados a património cultural de Portugal.

A conservação da paisagem, das belezas naturais e do património artístico-histórico-cultural, é uma exigência a que a nossa Região não pode renunciar sob pena de perder o que a diferencia também aos olhos de quem nos visita. Isto porque o património natural e histórico é parte da salvaguarda de um povo, dos seus costumes e tradições, isto é, da memória histórica do lugar, protegendo o ambiente construído ao longo do tempo pelo homem.

É pena não encontrarmos no ORAM mais investimento com a finalidade de proteger e investir num património que tem também valências económico-financeiras (com otimização dos recursos e incremento das entradas, com eventual recurso à expropriação por utilidade pública), administrativas (com eficácia das intervenções e melhoramento dos instrumentos de conservação e proteção) e de abertura aos privados (com a comparticipação em projetos conjuntos de tutela ambiental e patrimonial). É nossa responsabilidade cuidar dos bens que apresentam um valor paisagístico, artístico, arquitetural, arqueológico, etno-antropológico e não ferir de morte o que nos pertence: das praças, como a do Colégio (e que medo tenho desse projeto do parque subterrâneo e da destruição da harmonia de uma das praças mais equilibradas e belas do Funchal), aos poios, à paisagem feita de mar que é esta Ilha.

Afinal, a paisagem natural e cultural é a nossa alma. Abdicar dela tem um custo que é também económico: quem viaja procura autenticidade e quem vive quer qualidade e valorização, garantia do lugar. O que se perde agora já não volta e o que demorou anos a construir demora poucos dias a ser destruído.

Luísa Antunes escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas

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