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Artigo de Opinião

DE LETRA E CAL

22/12/2025 07:45

A minha mãe não é apenas a minha mãe, nem é apenas esta mulher que agora envelhece na sua idade. A minha mãe continua a ser maior do que ela, continua a multiplicar-se nos nossos gestos e a habitar os nossos sonhos. Continua a ser a casa, o lugar, a geografia de uma memória e de um mapa que nos situa.

A minha mãe já não consegue ser veloz nos passos. O equilíbrio falha no andarilho, os ossos denunciam os anos, mas os olhos, os olhos, esses ainda brilham do encanto do mundo que sempre habitou os seus e os nossos dias.

A minha mãe sempre gostou de cinema e de histórias de amor. Não sei se ela mesma ainda se lembra dessa idade na qual se preparava para a sessões duplas do Cine João Jardim, na Rua da Carreira. Não sei se ela se lembra que ficava tão bonita como as atrizes dos filmes, ou ainda mais. Mas ficava. E nós, os filhos, olhávamos orgulhosos para a mãe jovem, para os sonhos jovens da mãe nova, da mesma forma que hoje olhámos, com ternura, para a beleza que resiste nas rugas, o encanto que resiste no tempo, o amor que resiste a tudo.

As mães são um instrumento perene de encanto. Sobrevive nelas toda a nossa história e todo o nosso devir. São um poema constante à infância e ao colo que continuamos a procurar, mesmo que já não nos recolhamos no abraço. Somos, é claro, demasiado adultos para essa fragilidade e essa dependência, mas dentro de nós ainda há algo que nos impele para o colo antigo, como uma pertença mais real do que a nossa autonomia de gente crescida.

Dentro de nós, ainda vive a mãe que brincava, que cozinhava a magia dos bolos na frigideira com mel de cana, que montava a árvore de Natal na véspera da Festa, que nos mergulhava na banheira e vestia o pijama novo, que inventava histórias. A mãe que segurou nas mãos o Pai Natal para que acreditássemos nele enquanto fosse possível e continuou a segurá-lo mesmo depois de instalado o impossível da crença. E a descrença cresceu como erva daninha na magia.

A mãe de hoje ainda é a mãe que nos chamava no cimo da escada, que sorria para nós e que nos inventava antes de nós sermos inventados.

Sim, somos já demasiado crescidos para a magia, mas talvez a mãe seja o garante dos nossos sonhos, porque talvez nos vê ainda e sempre meninos. Meninos velhos, ou crianças que chegaram a uma idade nova.

Bem vistas as coisas, estamos todos presos nesse tempo e nesse colo do passado, como se os dias até hoje tivessem sido esse sopro rápido que realmente foram. A velocidade da mãe abrandou e nós acertamos o passo para acompanhá-la, como ela fazia quando não tínhamos ainda aprendido o equilíbrio.

Talvez seja isto o amor, aprendermos o equilíbrio uns dos outros, ao mesmo tempo que se aprende a gerir os desequilíbrios mútuos do coração. Sim, talvez seja isto o amor.

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