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Artigo de Opinião

9/06/2025 07:40

As últimas eleições voltaram a confirmar a tendência política que se vem desenhando nos últimos anos. Esta realidade está a emergir em Portugal, como acontece também em grande parte do mundo ocidental. Como sociedade, temos sido gradualmente seduzidos por soluções fáceis, embalados por um discurso que alimenta o egoísmo e a ideia de que todos os problemas se resolvem com a refundação do sistema político, como se a raiz do mal estivesse apenas nas instituições que nos regem.

A verdade é que, de forma estrondosa e cada vez mais evidente, assistimos a uma reaproximação ao populismo. A ascensão da extrema-direita continua a ganhar força e adeptos, e isso não pode ser ignorado. É um fenómeno preocupante. Em Portugal, o Chega, apesar de ter ficado aquém dos seus objetivos eleitorais (pois não tenhamos dúvidas de que contavam crescer ainda mais) aumentou significativamente o número de votos.

Para alcançar estes resultados, o partido tem vindo a ajustar de forma eficaz a sua narrativa. Recorre frequentemente à criação e disseminação de notícias falsas ou distorcidas, que contribuem para moldar uma opinião pública cada vez mais enraizada e difícil de contrariar. No início, a corrupção foi o tema central do seu discurso, como se esse flagelo fosse exclusivo de certos partidos ou políticos, ignorando que se trata de um problema estrutural e profundamente enraizado na sociedade. Naturalmente que a corrupção deve ser combatida com firmeza e eficácia, e nisso estamos todos de acordo. Mas não será com palavras vazias, gritos ou acusações que se resolve o problema. Quem hoje aponta o dedo, pode amanhã ver esse mesmo dedo a virar-se contra os seus.

Rapidamente, o discurso passou da corrupção para a imigração. Como se os imigrantes fossem a origem de todos os nossos males. A verdade é que o país tem enfrentado, ao longo de gerações, um envelhecimento acentuado da população e níveis de natalidade cada vez mais baixos. A necessidade de mão de obra é real e crescente. E onde há necessidade, haverá sempre quem esteja disponível para a suprir.

É legítimo criticar a forma como algumas políticas de imigração são geridas, mas é inegável que, sem a presença de imigrantes, Portugal estaria hoje a enfrentar dificuldades muito mais graves: uma provável recessão económica, falhas estruturais em sectores como a agricultura, a construção civil, ou outros serviços. Os postos de trabalho existem, mas não há portugueses suficientes disponíveis para os ocupar. O problema não está em quem chega, mas em como o país se tem preparado para os receber, e na forma como cria (ou não) condições para fixar os seus próprios jovens.

Se queremos inverter esta tendência, temos de criar oportunidades para os jovens cá permanecerem, para se estabelecerem e constituírem família, sem dependerem dos pais até aos trinta e tal anos. A resposta passa por políticas sérias de habitação acessível, emprego qualificado e estabilidade financeira. Mas mesmo estas medidas não produzem efeitos imediatos. Leva tempo. Pensar que o encerramento de fronteiras resolverá este cenário é uma ilusão perigosa, que só fomenta a divisão e alimenta o medo.

Mais recentemente, assistimos a uma nova narrativa baseada na religião. Já se ouve dizer que devemos rejeitar certos imigrantes por motivos culturais ou religiosos, porque Portugal é um país Católico e receia-se a vinda de pessoas com outros costumes. Estamos a ver a que ponto se chegou: tenta-se criar a ideia de que seremos “tomados”, que deixaremos de ser quem somos. Compreendo que existam choques culturais e que desejemos preservar a nossa identidade. Isso é legítimo. Mas não é promovendo a hostilidade entre comunidades que se preserva cultura alguma.

É verdade que muitas vezes andamos a discutir o acessório em vez do essencial. Também os partidos tradicionais têm responsabilidade, pois por vezes parecem alheados da realidade, ocupando-se com temas que pouco ou nada dizem às pessoas. Falta foco no que verdadeiramente importa.

Estamos a caminhar para um ponto de viragem. E este só é possível porque, infelizmente, a geração que viveu a primeira metade do século passado já cá não está para lembrar o que significa realmente viver em confronto. A história repete-se. E, em vez de aproveitarmos as conquistas que fizemos, parece que insistimos em virar-nos uns contra os outros.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
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