MADEIRA Meteorologia

Artigo de Opinião

ÀS VEZES VOO. ÀS VEZES CAIO

Jornalista

31/07/2022 08:00

Entendo agora porque uma pedra guarda o calor e as minhas mãos hão-de entrar no seu corpo pelo lado mais inverosímil da noite. É como dizer que milagre é só mais um nome para devoção, mesmo que aquela ínfima é fina parte da noite seja afinal verdade. Mesmo que uma pedra seja um outro nome para fim ou para o frio. A ruína firme de um corpo a atravessar o íntimo nevoeiro.

É por isso que aqui vim, para sentir a árvore que acende o fogo; para abandonar este corpo que não dói ao toque da neve mais primitiva. A minha mão tem a largura da fome não gerada, treme na linguagem pura de um animal distante e sobrecarrega o medo de lugares que estão ainda por encontrar. Sim, a ternura é a outra face do medo; é assim que começamos a amar - um homem, uma mulher, um filho, Deus. O silêncio. E também o medo.

Antes de adormecer guardo os meus pés dentro do murmúrio da terra. Como na infância, hei-de subir antes de dormir, ou inventar uma oração que me reconstrua religiosamente, com a endurecida pele do basalto, como se Deus existisse. Toda a ternura começa sempre no fim de alguma coisa, uma luz obscura que apaga o último fio de um desejo antigo, uma trégua na alegria.

Mas não foi por isso que eu vim. O meu corpo havia já habitado outros nevoeiros antes da fome mais profunda, e eu não sabia senão caminhar sobre outras súbitas pedras, sobre outro súbito corpo embevecendo a ave tão alta. Que duríssimo assombro, o seu estrondo de silêncio contra a mácula do céu.

As minhas mãos podem ter chegado antes de mim; antes do fim de alguma coisa, sem rumo ou preparação, apenas os meus dedos gelados sobre o calor guardado no interior da pedra.

Seria isto a infância, uma casa azul guardada no fundo do mar, um lugar ainda por encontrar, o coração largo de um cardume onde todas as mortes perderiam a velocidade.

OPINIÃO EM DESTAQUE
Coordenadora do Centro de Estudos de Bioética – Pólo Madeira
18/12/2025 08:00

Há uma dor estranha, quase impossível de explicar, que nasce quando alguém que amamos continua aqui... mas, aos poucos, deixa de estar. Não há funerais,...

Ver todos os artigos

88.8 RJM Rádio Jornal da Madeira RÁDIO 88.8 RJM MADEIRA

Ligue-se às Redes RJM 88.8FM

Emissão Online

Em direto

Ouvir Agora
INQUÉRITO / SONDAGEM

Qual o valor que gastou ou tenciona gastar em prendas este Natal?

Enviar Resultados
RJM PODCASTS

Mais Lidas

Últimas