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Artigo de Opinião

CONTOS INSULARADOS

7/03/2021 08:00

Amargo como fel. Era esta a descrição que os adultos faziam do remédio para todos os males que se comprava a uns vendedores de ocasião à porta de casa ou mesmo à porta da igreja.

O adro e a estrada à frente deste dava para tudo: Bailaricos em dia de festa, troca de olhares entre enamorados depois da missa, choros em dias de velórios, bilhardice de circunstância, enquanto se fazia o tapete do arraiais, e algumas compras sazonais, como cerejas do Estreito ou o remédio para todos os males, de má memória.

Pior que o amargo inicial era a colher de açúcar que se seguia para enganar os "anjinhos". Uma antítese que feria as papilas gustativas e baralhava o cérebro.

-Eu sei que isto é reles de tomar, lamentava a avó, enquanto enfiava a colher de açúcar sem dar espaço a queixumes ou ao vómito. Mas tinha de ser, dizia enquanto praguejava o cão da vizinha, por mais esta dentada na canela da pequena. Já era a terceira. Mas lá garantia que o animal não tinha culpa.

-O bicho fica louco, porque está preso dia e noite e quando se solta é esta loucura. Há gente que não devia ter animais, sentenciava, enquanto desinfetava a ferida à miúda com tintura de iodo, que era o que se usava à altura. Tão comum como cães presos a uma estaca junto a uma casota ou abrigo mal-enjorcado.

Para a avó era uma dor d’alma. O Giro, cão da família, acompanhava-a para todo o lado, como um verdadeiro cão-guia. Não que ela fosse cega, que até tinha os olhos à frente do seu tempo. Mas era como se ele já soubesse para onde lhe iam os passos, de tal modo que ia ligeiramente à frente, à esquerda. O Giro foi sempre um cão livre, mas que voltava sempre a casa. Foi um desgosto sem fim, quando morreu envenenado. Nunca fez mal a ninguém. A avó não quis mais cães durante anos, mas o seu talento era tal com os bichos, que até o porco, criado desde pequeno com destino certo no mês da Festa, a seguia pelo quintal se ela lhe abrisse a porta do chiqueiro e chamasse pelo nome.

Por isso, a matriarca não percebia mesmo como se podia tratar animais de outra forma, que não a sua, levando depois a situações como aquela.

-Coitado do anjo, mordido outra vez. E pela terceira vez aquela colher de um líquido sem igual, comprado no adro e que curava todos os males. O azeite de baga de louro só não curava a falta de humanidade e com isso a avó não se conformava.

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