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Há 70 anos o Pe. Laurindo partiu para o Céu

JM-Madeira

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Data de publicação
03 Abril 2021
10:34

A 3 de abril de 1951 partia para o Céu o "Apóstolo" da juventude madeirense, Pe. Laurindo Leal Pestana, pároco de Santa Maria Maior (vulgo Socorro) e responsável/fundador pela Escola de Artes e Ofícios dedicada aos rapazes, criada pela Associação Protectora da Mocidade, a 19 de março de 1921 (Dia de S. José). Mais tarde, ficaria sediada na Quinta Malheiro, ao Bom Sucesso; igualmente responsável/fundador pelo Patronato de Nossa Senhora das Dores, para abrigo e educação das meninas pobres e órfãs, funcionando na Quinta de São Filipe, numa dádiva da saudosa benemérita D. Filomena de Noronha, condessa de Torre-Bela.

No decorrer do ano de 2004, comecei a publicar na minha rubrica "Na Estrada de Damasco", inserida no suplemento "Pedras Vivas" do extinto Jornal da Madeira, uma série de doze artigos sobre a vida deste virtuoso e zeloso sacerdote madeirense nascido a 17 de janeiro de 1883, na freguesia de S. Pedro, Funchal, pois não havia nada que fosse escrito ou compilado em livro sobre a biografia deste sacerdote. Foi um trabalho de aturada pesquisa, mas feito com total dedicação e devoção a quem me verteu a água do Baptismo, tornando-me filho de Deus.

Seus pais João Augusto Pestana e Etelvina Leal, eram católicos praticantes. Quer o pai quer a ma?e viviam uma espiritualidade crista? sa? e consequente.

Maria da Conceição Caldeira, sobrinha-neta do Pe. Laurindo, descreve que: «D. Etelvina Leal acalentava um sonho desde novita: ter um filho que viesse a ser padre, mas um padre de grandes obras. (...). Quando casou com Joa?o Augusto Pestana, conseguiu de tal modo comunicar-lhe o anseio de ter um filho padre que isso tambe?m se tornou para ele assunto predominante nas suas orac?o?es. Ate? que o momento desejado aflorou no horizonte das suas esperanc?as. (...). Nasceu uma menina (...) E a menina era ta?o bonita. A ma?e, enquanto tambe?m se revia nela, na?o deixava de pedir a Deus o filho sonhado e ta?o desejado. (...). Dezasseis anos depois do nascimento da filha, que agora era uma rapariguinha, um filho fez a sua entrada neste mundo. Deram-lhe o nome de Laurindo».

(...) «Desde sempre, o pequeno Laurindo ouviu a sua ma?e trata?-lo por "o meu padre"». E a escritora prossegue o relato biogra?fico deste sacerdote, acrescentando que, ainda em crianc?a, ele «entretinha-se a brincar a?s missas e fazia pra?ticas com toda a compostura».

Depois, «quando chegou a idade de aprender a instruc?a?o prima?ria (...) ofereceu-lhe um livro sobre a vida de S. Joa?o Bosco. Dai? em diante, esse foi o livro preferido. Depois, na idade pro?pria foi para o semina?rio, talvez ja? sonhando ser um padre seguidor dos exemplos de D. Bosco.»

E? interessante este desi?gnio de Deus: 18 anos apo?s a morte de D. Bosco (31 de Janeiro de 1888), na?o tendo as montanhas dos Alpes como pano de fundo, mas as envolventes serranias da Madeira, sobre o Funchal, um sacerdote madeirense seguia, na?o um projecto humano, mas uma iniciativa de Deus, tomando como exemplo a obra daquele a quem chamaram "gigante do espi?rito" — o Pai e Mestre da Juventude — S. Joa?o Bosco.

Quando a 29 de Setembro de 1915 ele foi nomeado pa?roco de Santa Maria Maior (era cura desde 29 de Novembro de 1911), apo?s a morte de sua ma?e, passou a viver na casa paroquial. «Ai? ele po?de, mais facilmente, dar largas ao seu desejo de socorrer jovens marginalizados, que viviam sem nenhum conforto familiar, material e espiritual.

«Ao anoitecer, ia o Pe. Laurindo ate? a? beira-mar, ali perto do Almirante Reis, e da Lota onde varavam barcos de pesca, pois sabia que muitos rapazes, na?o tendo onde dormir, aproveitavam o interior dos barcos para ai? dormitarem.

«Falava-lhes com bondade e carinho, cativando as suas almas esquivas e, por vezes, desconfiadas. Trazia-os para casa onde os abrigava como podia, e fornecia-lhes algum alimento, um pouco de pa?o ou de sopa feita de boa vontade pela sua criada Mariquinhas»

E? impressionante a semelhanc?a da vida deste bondoso sacerdote com a do santo pedagogo do se?c. XIX.

No fim dos anos 40 um cancro desenvolve-se na garganta e tem de deslocar-se a Lisboa para tratamentos.

Ha? anos, em conversa com o Padre Bartolomeu Valentini, a propo?sito do espi?rito salesiano do Padre Laurindo, este sacerdote salesiano confidenciou-nos mais ou menos nestes termos:

«Acabara de celebrar uma missa algures em Lisboa e dirigia-me a? paragem do ele?ctrico com destino aos Prazeres onde fica a Casa-Ma?e dos Salesianos, vulgo Oficinas de S. Jose?. Atravessando o Jardim da Estrela, deparei-me com um padre meio-sentado, meio-deitado de lado, num dos bancos desse espac?o de lazer. Estava pa?lido, ofegante e, aparentemente, solicitava ajuda de algue?m...

Abeirando-me dele, predispus-me a ajuda?-lo dentro das minhas possibilidades, e saber o que o preocupava.

A sua pronta resposta foi: "O que se passa comigo na?o me preocupa, meu irma?o... Preocupa-me, sim, sa?o os meus "filhos" que deixei na Madeira e na?o os posso valer... Os Padres Salesianos esta?o para tomar conta deles, mas ainda na?o decidiram nada.... Queria ver se falava com o Provincial, mas na?o tenho forc?as...»

O Padre Valentini perante aquele desabafo, respondeu:

«Eu sou padre salesiano. Venha comigo ate? a?s Oficinas de S. Jose?.»

E para la? subiram, trocando impresso?es sobre a realidade da Escola de Artes e Ofi?cios na Madeira.

E a chegada dos Salesianos a? Madeira aconteceu a 25 de Outubro de 1950 a bordo do navio "Carvalho de Arau?jo", com a missa?o de prosseguir a Obra do Padre Laurindo.

Mais tarde, este santo sacerdote profetiza que um dos seus alunos e afilhado, o Fernando Eusébio de Castro, na sua 3.a classe fora acometido por doenc?a grave bro?nquio-pulmonar, tendo sido levado a? consulta do eminente pneumologista madeirense Dr. Agostinho Cardoso e entregue aos seus cuidados me?dicos.

A ma?e, preocupada com a sau?de deste seu menino, chorosa e em desabafo perante o seu pa?roco, julgava que o ia perder. Ele, com o seu ar paternal e, certamente, com a sua fe? inabala?vel na Virgem do Perpe?tuo Socorro, respondeu-lhe: «Na?o te preocupes, minha filha; para o ano chegam os Salesianos e o teu filho sera? padre».

Na verdade, a 20 de Abril de 1968 este "menino" era ordenado padre. O primeiro sacerdote salesiano madeirense, já falecido.

De vários ex-alunos do Pe. Laurindo que entrevistei, todos eram unânimes em tê-lo como Pai, contando-nos mil e uma peripécias, sempre com saudosas e grossas lágrimas a correr cara abaixo.

Apo?s longo sofrimento, a 3 de Abril de 1951 era chegada a hora do bondoso sacerdote receber a coroa de glo?ria que Deus lhe havia reservado no Parai?so. Contava 68 anos de idade.

O Funchal, a Madeira inteira chorou, intensamente, a perda deste seu filho...

O enta?o "O Jornal" da Madeira, na sua edic?a?o de 5 de Abril desse ano, ale?m das va?rias pec?as escritas sobre este funeral, referia na sua "Nota do Dia": «Foi ontem a enterrar o Rev.o Padre Laurindo. Imponente funeral, la?grimas nos olhos de pobres e ricos e uma multida?o imensa acompanhando o funeral ou assistindo silenciosa e triste ao seu desfile.

E que fez o Padre Laurindo para tudo isso?

Deu o corac?a?o em bocadinhos a todos, consolou os tristes, amparou os pobres, deu-se totalmente ao seu sacerdo?cio e na?o sendo um vencedor da vida, venceu a vida.

E o bom povo do Funchal, reconhecendo o amigo que perdia, sentiu a sua perda e chorou comovidamente.

Grande lição a de ontem.

Desde a autoridade superior do Distrito a todos os que te?m func?a?o de representac?a?o, aos humildes, aos pobres, aos desamparados, ningue?m faltou e as ruas do percurso encheram-se de corac?o?es reconhecidos.

Na?o era um grande da Terra que ia a enterrar, era um grande do Ce?u.

Os seus pequenos pupilos da Escola de Artes e Ofi?cios, que o Rev.o Padre Laurindo teve ainda a satisfac?a?o de ver entregues em boas ma?os, ma?os que sabera?o continuar a sua obra, choravam sentidamente e ha?o-de rezar pela sua alma, como ele no Ce?u intercedera? pela sua querida Escola e pelos paroquianos. (...)

Venceu a vida e continua a viver no corac?a?o de todos aqueles que dele receberam em qualquer ocasia?o difi?cil, uma palavra de conforto, uma esmola material, ou ate? a censura justa mas cheia de caridade, pela falta cometida.

Que descanse em paz o bom Padre Laurindo.»

A nota?vel pena do Padre Alfredo Vieira de Freitas tambe?m na?o ficou indiferente a esta perda. Na sua rubrica "Radar", no mesmo jornal, assinando com o pseudo?nimo de Viriato, escrevia:

«(...) Foi um Grande, porque grande foi o seu Ideal.

A grandeza duma alma mede-se pela grandeza do ideal que animou a existe?ncia dum homem.

As almas pequeninas e medi?ocres gostam de ser servidas.

Ao contra?rio, as grandes almas gostam de servir e tudo fazem para ser u?teis aos seus semelhantes. (...)

A vida do fundador da Escola de Artes e Ofi?cios e do Patronato de Nossa Senhora das Dores, vivida em plenitude, foi um servic?o em prol dos pequeninos, em prol da Causa de Deus e da Igreja. (...)

Ele foi um Homem de Bem, o qual, onde quer que se encontre, e? sempre uma emissora de Bondade.

Por isso a sua vida fica como exemplo na?o so? para os sacerdotes, mas tambe?m para os seculares...

(...) E? ta?o bom ser bom. Como foi o rev.o Pe. Laurindo!...

Imitemos a sua santa vida, para como ele termos uma santa morte!...»

Na cro?nica que da? conta de como foi o funeral do Padre Laurindo Leal Pestana, "O Jornal" perpetua, do seguinte modo, ta?o comovente cortejo:

«(...) Raramente os funchalenses se te?m manifestado ta?o espontaneamente a prestar ta?o grandiosa homenagem a um morto, como aquela que ontem nos foi dado tomar parte.

Muito antes da hora do saimento, as romagens sucediam-se ininterruptamente para a igreja do Socorro, a fim de dizerem o u?ltimo adeus a?quele que bem personificava em si todas as virtudes crista?s e sociais. Por diante do seu cada?ver, passou quase todo o Funchal.

A dor oprimia os corac?o?es, as la?grimas corriam abundantemente dos olhos de toda aquela multida?o, que ansiosamente beijava aquelas ma?os, que neste mundo so? espalharam o bem, e como se fosse um santo — e santo era ele — queriam tocar-lhe, beija?-lo, para que o perfume da sua santidade ficasse impregnado nos objectos e flores, que ate? junto dele levavam.

Especta?culo u?nico, que sensibilizou os mais empedernidos de corac?a?o.

A?s 13 horas forma-se o grande cortejo, no qual se incorporou tudo o que de mais representativo tem a Madeira, e a multida?o imensa dos ano?nimos — os melhores amigos — que o acompanham desde a igreja ate? ao Largo do Pelourinho.

Abriam o cortejo os alunos da Escola de Artes e Ofi?cios, fardados e com o estandarte coberto de crepes, em carro com flores naturais e lindas coroas com sentidas dedicato?rias dos oferentes. A seguir, diversos carros com o clero e o que conduz a urna, pobre e simples, ladeada por alunos da Escola de Artes e Ofi?cios, executando a Banda Distrital uma sentida marcha fu?nebre.

Depois, diversos carros com a Fami?lia; e com os Srs. Governador Civil substituto, Dr. Jose? Leite Monteiro e secreta?rio Dr. Quirino Spencer Saloma?o; presidente em exerci?cio da Ca?mara Municipal do Funchal, Prof. Jose? Raphael Basto Machado; Patra?o-Mo?r, Guilherme Gaspar de Menezes, em representac?a?o do sr. Capita?o do Porto, ainda com as Irma?s das va?rias Congregac?o?es religiosas e uma camioneta com as crianc?as do Patronato de Nossa Senhora das Dores.

A pe? e ate? ao Largo do Pelourinho uma multida?o, como raras vezes temos visto, acompanha o cortejo fu?nebre, que passa por entre alas de povo.

Chegado ao Largo do Pelourinho o cortejo compo?e-se exclusivamente de 156 carros, nu?mero record, na?o ficando um u?nico carro disponi?vel na prac?a. Pelos caminhos por onde passou o pre?stito fu?nebre, a multida?o respeitosa e sentidamente assiste a? sua passagem.

Eram cerca das 14 horas quando chegou ao cemite?rio. Ja? ali dezenas de automo?veis e grande nu?mero de pessoas esperavam a chegada do pre?stito.

A? porta do cemite?rio reorganiza-se de novo o cortejo que segue a pe? ate? o coval.

(...) A ladear o caixa?o, os Rev.os Co?negos Carlos Fernandes Menezes Vaz, Francisco Fulge?ncio de Andrade, Manuel Pombo Fernandes, professores do Semina?rio (...)

Levou a chave da urna, o sobrinho do finado, sr. Capita?o Ame?rico Aldo?nio de Menezes, que dava a direita aos Srs. Governador Militar, Tenente-Coronel Armando Amaro de Freitas, (...) Co?nego Manuel Francisco Camacho, em representac?a?o do Sr. Bispo Diocesano (...)

Seguiam-se parentes do finado, muitas senhoras da nossa melhor sociedade e va?rias pessoas de representac?a?o social (...)

As diversas ordens religiosas da Diocese fizeram-se representar por va?rios membros. (...)

Cantados os u?ltimos responso?rios, o corpo baixou a? sepultura no meio dum coro de choro de muitos dos presentes. Os restos mortais ficaram depositados numa gaveta da campa pertencente a? Sr.a D. Gertrudes Acciaioly que gentilmente a ofereceu para esse fim. (...)»

Por fim, deixo a pergunta: Quem terá a responsabilidade da abertura de um processo de beatificação deste santo sacerdote madeirense?...

Paulo Gilberto Camacho

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