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Artigo de Opinião

GATEIRA PARA A DIÁSPORA

6/06/2023 06:00

Acompanhou-me na minha curta incursão pelo Jardim do Multilinguismo, de que já aqui falei. Era a primeira vez que ela lá ia e perguntou-me onde começava o jardim, ao que retorqui: «Começa em si, no visitante». O jardim começará na própria ideia do mesmo - antes mesmo de o visitante aí entrar - ou, melhor, no respeito que se tem pelo jardim e pela natureza que o habita. Uma das particularidades deste jardim é ter letras - de diferentes alfabetos - espalhadas pelo chão. É impossível não pensar que a guerra, e a ausência de natureza, nos fazem minguar as letras, e, por conseguinte, as ideias, enquanto a paz as multiplica.

Devido ao bom tempo deste fim-de-semana, estivemos no pátio aqui do prédio. A minha filha Laura lembrou-se de que era preciso regar as aboboreiras que o avô lhes dera. A Laura e a Clara tinham estado ausentes quase toda a semana devido ao que em França se designa por «classe verte» (classe verde): uma estada organizada pela escola, com o acompanhamento de professores e monitores, sem os pais, em contacto com a natureza. No nosso caso, era a primeira vez que passavam a noite sem alguém da família. Esta classe pretende contribuir para a sua vivência do mundo, em autonomia e em comunhão com o que são: natureza. Fizeram caminhadas, brincaram, pintaram, escutaram os pássaros, aprenderam a fazer queijo e muito mais. Trouxeram também uma «árvore sonora» que fabricaram para a escola. É de um valor inestimável poder confiar na escola e em quem a faz no quotidiano para levar as crianças por aí, e ajudá-las a perceber e a sentir que ainda há tanto por descobrir.

Em Estrasburgo (França), esteve patente na galeria de fotografia La Chambre a exposição da artista Sophie Zénon, que se interessou pelas «plantas obsidionais», ou seja, aquelas que foram importadas para um novo país por intermédio das movimentações militares (no caso francês, sobretudo alemães, mas também americanas). A artista questiona a paisagem, sobretudo a de guerra, enquanto repositório de memórias. Tendo por pano de fundo as fotografias de L’Album de la Guerre (O Álbum da Guerra), editado entre 1914 e 1921 pelo jornal L’Illustration (A Ilustração), Sophie sobrepõe às fotografias desse álbum os seus próprios desenhos de algumas dessas plantas trazidas por outros exércitos para território francês, designadamente através de sementes na forragem para animais, nas roupas e no equipamento dos soldados, bem como nos seus meios de transporte. A criação de um «jardim de guerra» - plantações feitas pelos soldados para fins alimentares e medicinais - era também um desses vectores.

Lúcia de Carvalho - artista nascida em Angola - veio para a Alsácia (França), onde foi criada por uma família adoptiva. Em 2016, lançou o seu álbum Kuzola - «amor» em quimbundo - e o documentário Kuzola, le chant des racines (Kuzola, o cântico das raízes) que a acompanhou pelo seu périplo-planta, explicando que a raiz era Angola, o caule Portugal, e a flor Brasil. Quanto à França, era o solo fértil que permitiu que a flor se desenvolvesse. Na primeira parte, vemos uma cena do Carnaval na Bahia (Brasil), e, nessa noite de todos os possíveis, entrava-se - com todos aqueles tambores - numa «batalha de paz». A talho de foice, espero que o nosso apoio à Ucrânia não perca de vista esse horizonte. Em Magnetização, música de A Garota Não, ouve-se: «[…] Revelas-me a natureza/Toda brotando de mim […]». Onde começa o jardim?

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